Estratégias para fortalecer a inovação e o empreendedorismo em Campinas

Em estudo financiado pelo BID, pesquisadores identificam desafios sistêmicos para consolidação do ecossistema de inovação de Campinas e região Por Patricia Mariuzzo

Crédito: Pixabay

O Grupo Movile é dono do IFood, empresa líder no negócio de entrega de comida na América Latina; no ano passado a Griaule Biometrics Technologies, venceu um processo de licitação e vai fornecer tecnologia de identificação biométrica para o Estado do Arizona, nos Estados Unidos; a CI&T fornece soluções digitais para empresas e cidades, com 2,5 mil funcionários, a empresa tem escritórios nos Estados Unidos, China e Japão. O que essas empresas têm e comum? Todas nasceram em Campinas. De acordo com o Índice de Cidades Empreendedoras 2017, da Endeavor, Campinas ocupa o sétimo lugar entre 32 municípios que possuem condições propícias para o desenvolvimento de empresas. A cidade abriga três universidades públicas e 19 privadas, cinco parques tecnológicos, mais de duas mil empresas atuando na área de tecnologia de informação, 19 centros de pesquisa e 39 escritórios de co-working. Em 2018, o faturamento das empresas-filhas da Unicamp chegou a R$ 4,8 bilhões.

Esses números são resultado de uma série de características presentes na cidade de Campinas que foram sendo construídas ao longo do tempo. A criação do Instituto Agronômico (IAC), em 1887, inaugura a vocação de pesquisa e investimento em tecnologia presente que se destaca na cidade até os dias de hoje. A proximidade com grandes centros consumidores, boa infraestrutura viária e aeroportuária, a alta qualidade dos recursos humanos, a presença de universidades de ponta como a Unicamp e a PUC-Campinas, são elementos que tornam Campinas uma referência no panorama nacional da inovação e empreendedorismo.

Ao descrever o cenário atual do ambiente empreendedor da cidade de Campinas, José Eduardo Azarite, vice-presidente do Venture Hub, uma aceleradora de startups, tecnologias e inovação corporativa, apontou que a cidade vive um bom momento: “Antes, quando os empreendedores tinham uma boa ideia, eles tinham que ir para São Paulo. Hoje a visibilidade da cidade é cada vez mais lastreada pelo potencial do seu ecossistema de inovação”, disse. “Hoje o portfólio do Venture Hub tem muito a ver com endereçar projetos que possam usar os atributos desse ecossistema para o mundo externo conhecer isso”, completou.

A despeito desses ingredientes, Campinas ainda enfrenta desafios para consolidar seu ecossistema de inovação e fazer com que os benefícios gerados por essa cultura empreendedora se revertam em crescimento para a cidade como um todo. Um deles é o ambiente tributário. “Campinas pode perder a sede de muitas empresas por conta das altas taxas de IPTU. Precisamos de um movimento para tornar a cidade mais atrativa nesse sentido”, acredita Azarite. “Apesar de ter uma série de fatores positivos, o ecossistema de Campinas ainda não alcançou a maturidade desenhada por esse potencial”, aponta Vanderleia Radaelli, da Divisão de Competitividade, Tecnologia e Inovação (CTI), do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID. Buscando identificar os principais desafios do ecossistema de inovação da Região Metropolitana de Campinas, o BID financiou um amplo estudo que pudesse embasar uma estratégia para a transformação digital de Campinas.

Crédito: Luiz Granzotto (PMC)

A pesquisa foi conduzida por um grupo de pesquisadores ligados ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), da Unicamp. Seus principais objetivos foram:

– Identificar as tendências globais da Internet das Coisas (IoT) e da Indústria 4.0 e suas aplicações para enfrentar os desafios atuais e futuros da cidade de Campinas em termos de sua adoção por empresas instaladas na região e pelo governo municipal para melhorar a vida de seus cidadãos.

– Caracterizar o ecossistema de inovação e empreendedorismo da cidade de Campinas, em termos de sua capacidade de se posicionar como referência no desenvolvimento e aplicação de tecnologias avançadas na região, identificando pontos fracos e pontos fortes e oportunidades para desenvolver as áreas onde há maiores vantagens competitivas.

– Elaborar propostas de intervenções de políticas públicas para minimizar as fraquezas do ecossistema, de tal forma que o desenvolvimento e aplicação de tecnologias avançadas em Campinas resulte em vantagens competitivas para o ecossistema de inovação da cidade.

O conceito de ecossistema de inovação e empreendedorismo refere-se a um conjunto de atores:  empreendedores, universidades, centros de pesquisa, organizações públicas e privadas que, ao lado de processos empresariais, se juntam, formal e informalmente para conectar, mediar e governar o desempenho dentro de um ambiente empresarial local.

Recém-concluída, a pesquisa teve apoio do Núcleo Softex Campinas, que ficou responsável pela organização e coordenação de reuniões, eventos e entrevistas com os atores e stakeholders do ecossistema. “O estudo é de fundamental importância para fornecer subsídios e informações para as iniciativas do PECCI e PECTI, ambas do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação da cidade e também para ajudar a Prefeitura Municipal a alinhar as ações na área de TIC”, acredita Edvar Pera Junior, coordenador executivo do escritório do Núcleo Softex em Campinas.

Para o consultor do BID, Giancarlo Stefanuto, que coordenou o estudo, as oportunidades abertas pelas tecnologias exponenciais da área de IoT e da Indústria 4.0 exigem pensar em ações estruturantes que possam ser aproveitadas por Campinas. “É um momento de investimento de risco nessas tecnologias, mas também uma oportunidade da cidade de inserir em novos nichos de mercado”, acredita ele que é especialista na área de políticas públicas e prospecção em tecnologias de informação e comunicação (TICs). Nesse sentido, o estudo é uma ferramenta importante para aprimorar as ações voltadas à dinamização do ecossistema de inovação da cidade de Campinas. “Isso vale especialmente para os gestores públicos que podem assumir a coordenação de mecanismos voltados ao enfrentamento de gargalos ainda presentes no sistema local de empreendedorismo e inovação”, apontou no estudo. Segundo André von Zuben, titular secretário municipal de desenvolvimento econômico, social e de turismo, da Prefeitura Municipal de Campinas, esse tipo de mapeamento é fundamental para desenvolver políticas públicas. “Políticas públicas mais eficientes dependem de um bom planejamento que, por sua vez, precisam ser embasados em um bom diagnóstico”, apontou. “São informações valiosas, especialmente agora que estamos construindo o Plano Estratégico de Cidade Inteligente e um hub de startups”, completou von Zuben.

Intitulado “Projeto Transformação Digital de Campinas”, o estudo teve cinco etapas que aconteceram entre abril de novembro de 2018.

A primeira etapa consistiu em identificar as aplicações das tecnologias de IoT e I.4.0 que seriam mais pertinentes para enfrentar os desafios da cidade de Campinas. Em seguida os pesquisadores buscaram fazer um diagnóstico de desafios e de oportunidades do ecossistema da Região Metropolitana de Campinas (RMC). Essa etapa envolveu envio de questionário eletrônico, entrevistas e workshops envolvendo diversos atores do ecossistema. A compilação desses resultados iniciais foi discutida em um segundo workshop com 40 especialistas de um total de cerca de 100 convidados. Entre os participantes estavam representantes de institutos de ciência e tecnologia (ICTs), de empresas nacionais e multinacionais, da Prefeitura Municipal de Campinas, de co-workings, startups, agências de inovação e de financiamento. De acordo com Stefanuto, o objetivo das discussões foi validar os desafios identificados e discutir possíveis ações estratégicas para a transformação digital da cidade. A última etapa foi a elaboração de um conjunto de diretrizes para o ecossistema e plano de ação para Campinas.

Esses resultados foram agrupados em seis dimensões: governança, financiamento, talentos, tecnologia, comunicação e regulação. “A partir das consultas que fizemos com diversos atores, percebemos que alguns desses desafios são mais urgentes. Por isso, nós propomos uma priorização das diretrizes. Isso não significa necessariamente a consideração em série das diretrizes e ações, mas busca ilustrar a precedência que se entende haver entre elas”, explica Stefanuto.

Quadro 2 – Priorização de Diretrizes Estratégicas para o Ecossistema da RMC. Crédito: Projeto Transformação Digital de
Campinas (BR-T1374). Fonte: Produto 3-Diretrizes Estratégicas para o Ecossistema da Região Metropolitana de Campinas. Coordenador: Giancarlo Stefanuto

O detalhamento de cada uma das diretrizes identificadas no estudo sobre a transformação digital de Campinas será tema de uma série de reportagens do Portal Campinas Inovadora. Na primeira, o assunto será governança ou o desafio de articular lideranças e fortalecer instituições âncora do ecossistema de inovação da cidade, considerando que essa articulação em torno de uma ideia-força ou de projetos estruturantes influenciarão o desempenho do ecossistema e o sucesso das ações posteriores.

Por Patricia Mariuzzo