Parceria público-privada permite o desenvolvimento de reagentes para novo teste de covid-19

Junto ao Laboratório Mendelics e à EMBRAPII, o Centro de Química Medicinal da Unicamp participa do aperfeiçoamento de um teste rápido, seguro e com eficiência equiparável ao padrão ouro do mercado. Por Bianca Bosso (Labjor/Cocen)

O Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp – unidade de pesquisa gerida pela Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (COCEN) e credenciado como Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII), o laboratório de genômica Mendelics e a Embrapii estabeleceram uma parceria para o aperfeiçoamento do teste de saliva para covid-19. O objetivo é fortalecer a autonomia nacional para a realização desse exame através da produção de duas enzimas que hoje só podem ser obtidas através de importação. O CQMED já encaminhou parte dos reagentes para uma fase de testes que será executada pela Mendelics. “A empresa Mendelics, em parceria com o hospital Sírio Libanês, se deu conta de que a realização do teste RT-PCR – até então o mais preciso para diagnóstico de infecção ativa – estava sendo complexa em termos de realização e obtenção de reagentes”, explica Katlin Massirer, pesquisadora do CBMEG e coordenadora do projeto na Unicamp. “Quase sempre a maior dificuldade para a realização de pesquisas é a dependência de reagentes importados. Insumos do exterior sempre são limitantes”.

Com isso em mente, a Mendelics, por meio da EMBRAPII, firmou a parceria com o Centro de Química Medicinal (CQMED) a fim de desenvolver nacionalmente duas enzimas essenciais para o teste de saliva. “A ideia é que nosso Centro consiga substituir e melhorar reagentes para que não seja  mais necessário comprar do exterior. É um projeto de desenvolvimento de reagentes de um teste que já existe para ter autonomia de produção aqui no Brasil”, acrescenta Massirer. 

O teste utiliza a técnica de amplificação isotérmica mediada por loop com transcriptase reversa (RT-LAMP), já usada para diagnósticos de dengue, hepatite A, chikungunya e zika, para identificar o RNA do vírus em amostras de saliva. Katlin explica que “A própria pessoa pode coletar sua saliva no tubo apropriado e enviar para a central da Mendelics, em São Paulo, onde é feita a mistura dos reagentes. A saliva permanece estável por aproximadamente dois dias”. As etapas do teste não exigem equipamentos sofisticados: se o vírus estiver presente na amostra, uma proteína converte seu material genético – o RNA – em DNA; em seguida, outra proteína entra em ação e cria cópias das fitas de DNA geradas, fazendo com que seja mais fácil detectar o SARS-CoV-2; por fim, um agente colorante que pode ser visto a olho nu indica a presença ou ausência do material genético de origem viral na amostra. Assim como o RT-PCR, o teste de saliva não detecta os anticorpos em pessoas já recuperadas, mas sim o próprio vírus na fase ativa da infecção.

Os novos reagentes são frutos da parceria entre CQMED, EMBRAPII e Mendelics

Por dispensar equipamentos complexos e permitir a auto-coleta não invasiva de amostras, o RT-LAMP também se destaca no custo-benefício, sendo até cinco vezes mais barato que o RT-PCR. Katlin acrescenta que o custo pode ser ainda menor de acordo com os resultados da parceria.

Apesar de sua relativa simplicidade, o teste de saliva não perde em eficiência e apresenta confiabilidade equiparável ao padrão ouro do mercado, sendo uma alternativa mais rápida e menos custosa ao RT-PCR. Todos esses benefícios trazem à tona a possibilidade de realizar testes em massa: “a ideia seria não esperar o surgimento de sintomas, mas que hospitais e empresas, por exemplo, pudessem testar seu pessoal a cada semana. O teste em massa é importante para monitoramento e prevenção, já que torna possível bloquear rapidamente a disseminação no caso de resultados positivos” – explica a pesquisadora do CQMED. Além disso, a praticidade do teste de saliva permite que o mesmo seja enviado para municípios mais distantes ou com pouca infra-estrutura: “muitas cidades pequenas ainda não têm como montar testes mais complexos. Seria possível enviar os kits com tubos de coleta para o Brasil inteiro e a amostra retornaria para ser testada na Mendelics”, explica a pesquisadora. 

Massier destaca que o avanço do projeto em um mês indica que logo os testes poderão ser amplificados: espera-se que ao final do próximo mês, já tenhamos produzido enzimas suficientes para a realização de mil testes. A partir daí, a produção crescerá ainda mais”. 

Katlin explica que a Unicamp valoriza parcerias público-privadas e que a iniciativa tem um papel importante na sociedade: “como pesquisadores na Universidade Pública, é importante fazer com que nosso trabalho tenha mais alcance e que possamos produzir as coisas que a sociedade precisa”. A coordenadora do projeto acrescenta ainda que progresso só foi possível em virtude da estrutura de equipamentos da Universidade: “Conseguimos fazer esse teste graças a toda a estrutura que a gente já tem na Unicamp. Nosso laboratório tem cinco anos, mas foi todo montado com financiamento de agências e empresas. Isso permite a resposta rápida”. 

A equipe pretende continuar trabalhando com a produção de reagentes para contribuir com a luta contra a covid-19: “Pensamos em expandir essa produção de enzimas. Caso algum grupo ou empresa se interesse em outros tipos de enzima ou proteína para testes diagnósticos, também podemos fazer”.

Por Bianca Bosso (Labjor/Cocen)