Inovação responsável na prática

Entrevista com Marko Monteiro, pesquisador da Unicamp e líder no Brasil do projeto sobre pesquisa e inovação responsáveis: “a ciência tem que pensar no que ela causa na sociedade e não achar que está isolada”

Por Paula Penedo

Como a pesquisa e a inovação podem lidar com controvérsias científicas e trazer resultados mais sustentáveis e inclusivos para a população? De acordo com o conceito de pesquisa e inovação responsável (PIR), isso só será possível se os diversos atores sociais, como pesquisadores, cidadãos e tomadores de decisão discutirem em conjunto os aspectos éticos, sociais e legais do fazer científico, alinhando o processo de pesquisa e inovação com os valores, necessidades e expectativas da sociedade. Adotada pela Comissão Europeia no escopo do programa Horizonte 2020, a PIR defende ações voltadas a elementos considerados essenciais a uma pesquisa que responda aos anseios da população, como igualdade de gênero e acesso aberto. Desde 2016, a Comissão também financia o projeto Pesquisa e Inovação Responsável na Prática (RRI-Practice) que está mapeando 22 instituições de pesquisa e de financiamento em países dentro e fora do continente europeu para avaliar os discursos e práticas relacionados ao tema. A ideia é identificar barreiras, oportunidades e boas práticas promovidas por essas instituições, verificando como e se a PIR adere ao contexto e particularidades de cada um desses países.

No Brasil, o estudo de caso envolveu a Unicamp e a Fapesp e está sob coordenação do antropólogo Marko Synésio Alves Monteiro, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp (DPCT) e líder do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia (GEICT) da mesma instituição. Recentemente, foi divulgado o relatório com a análise das perspectivas atuais do país sobre responsabilidade em ciência, tecnologia e inovação. Confira a seguir a entrevista concedida pelo pesquisador sobre os principais resultados obtidos na análise brasileira para o Portal Campinas Inovadora.

Portal Campinas Inovadora: O que são os elementos-chave da Pesquisa e Inovação Responsável?

Marko Monteiro: Os cinco elementos que devem ser incorporados para tornar a pesquisa “responsável” [no sentido preconizado pela PIR] são: ética, engajamento público, educação científica, acesso aberto e gênero. Embora isso possa parecer aleatório, foi fruto dos debates na comissão europeia para definir o que tem que ser incorporado na discussão sobre ciência para torná-la mais responsável. A ideia é a ciência pensar no que ela está causando na sociedade desde o começo e não achar que está isolada. E é algo que está em construção. A Comissão Europeia está financiando vários projetos de longo prazo para produzir indicadores para embutir responsabilidade na universidade.

PCI: Como a PIR dialoga com a questão da neutralidade da ciência?

Marko Monteiro:O conceito de pesquisa e inovação responsável se mostra crítico à ideia de neutralidade e autonomia da ciência, a partir da percepção de que a ciência não é e não pode ser vista como totalmente neutra. É impossível ser neutra porque é feita em contextos institucionais e não está isolada da sociedade. Está imbricada em políticas, instituições e grupos de poder. Então você tem que prestar atenção nisso durante o processo e não achar que o cientista está de um lado, a sociedade de outro. É necessário fazer alguma intermediação.

PCI: Como foi feito o mapeamento das instituições?

Aqui no Brasil foram estudadas a Unicamp e a Fapesp através de pesquisa documental, entrevistas, um workshop e um grupo focal em cada uma dessas instituições. O que a gente acabou descobrindo é que a Fapesp possui muitas políticas bem sistematizadas sobre esses temas: ética, acesso aberto, educação científica etc. A Unicamp, por outro lado, não possui tantas políticas decodificadas em documentos, mas ela tem muitas iniciativas, na prática, em todas as áreas abordadas. Por isso fizemos entrevistas, com a reitoria, pró reitoria e todas as pessoas que atuavam em áreas com alguma relação com aqueles elementos relacionados à inovação responsável.

PCI: Quais foram os principais resultados do estudo de caso brasileiro?

Marko Monteiro: Uma coisa que a gente percebeu é que todo mundo achava interessante a ideia de responsabilidade. Em princípio, todo mundo aceita que a ciência e a inovação devem ser responsivas às demandas da sociedade, que devem promover o bem-estar, que por serem financiadas com recurso público, devem trazer benefícios. Mas muitos acham que isso é resultado direto da inovação, daquele modelo linear muito criticado nas discussões de política científica, de que a ciência leva à inovação, que leva por sua vez ao crescimento econômico. Em geral, eles não discutem questões como inserção das mulheres, consideram isso como algo secundário e muitos ainda acreditam que não existe um problema de machismo na ciência porque o Brasil possui muito mais mulheres na graduação do que em outros países. Percebemos também que muita gente tem resistência em fazer engajamento, em trazer outros atores além dos cientistas para a discussão. No Brasil, é muito forte a noção de que o cientista deve ser independente, autônomo e de que somente a revisão por pares pode decidir se aquilo é bom ou não. Eles têm uma resistência muito grande em reunir pessoas da comunidade, empresas e ONGs, por exemplo. E outra coisa bem importante é o papel que a pesquisa pública tem no país. Quem faz pesquisa no Brasil é a instituição pública e é muito forte a ideia de que, por ser pública, eu tenho que ser responsável de alguma maneira. É muito forte essa ética pública de você se sentir responsável, ser transparente, dar respostas e cuidar bem do patrimônio porque ele é de todos.

PCI: E como esses resultados se comparam com os demais países parceiros do projeto?

Marko Monteiro: Nós estamos começando essa comparação agora, mas algo que fica muito claro é que a ausência de engajamento não ocorre somente no Brasil. Nem mesmo os países que têm o costume de fazer engajamento público possuem abertura. Por mais que a Comissão Europeia tenha investido nesse conceito, as pessoas que não lidam diretamente com ele não o conhecem. E eles possuem também uma visão muito eurocentrada de tudo isso. Desconhecem as particularidades de países como o Brasil ou como a China, que não possui uma democracia liberal como a gente entende aqui. Então, esse viés democratizante que está implicado na inovação responsável, de abrir o processo decisório para a comunidade, não faz tanto sentido lá.

PCI: E vocês identificaram algum modelo de boas práticas brasileiro que poderia ser exportado para os demais países?

Marko Monteiro: Nosso relatório apresenta vários exemplos de boas práticas, mas algo que é muito próprio é o portal Scielo, uma iniciativa de acesso aberto, massiva e pioneira no mundo. Enquanto a Europa trava uma luta brutal com as editoras privadas porque elas cobram duas vezes, para publicar e acessar, no Brasil a maior parte da produção é disponibilizada publicamente, por ter sido paga com dinheiro público.

PCI: O projeto focou no estudo de caso de duas instituições do Estado de São Paulo. É possível aplicá-lo ao restante do país?

Marko Monteiro: Eu não tenho como responder. São Paulo é um caso muito específico, não dá para comparar com outros lugares. Eu imagino que no Brasil como um todo é ainda mais concentrado em universidades federais, nem tanto as estaduais. As universidades federais têm um papel fundamental de serem ilhas de ciência e a pós-graduação tem um papel essencial. Eu acredito que a Unicamp seja semelhante nesse sentido. O que a gente encontra aqui é muito parecido com as federais. Temos mais recursos, mas a organização é a mesma.

PCI: O que vocês pretendem fazer com os resultados obtidos?

Marko Monteiro: Queremos causar impacto nas instituições. Em março de 2019 faremos uma reunião em Pádua, na Itália, com representantes da Unicamp e da Fapesp e todos os outros países também irão enviar representantes. Foi algo que já fizemos em Berlim, um ano atrás. Eles querem que as instituições adotem medidas para serem mais responsáveis. É fazer engajamento. Você está estudando a Fapesp, então você chama a Fapesp para falar e dar a opinião sobre o projeto e depois publicar isso. Mas é um projeto bem voltado para organizações que financiam e que fazem pesquisa, para causar mudança. E eu acho que na Unicamp já teve efeito. Ela já faz muita coisa e já está discutindo boas práticas na ciência. Eu acabei me envolvendo porque eu sou do comitê de ética da Unicamp, faço parte de um grupo de trabalho que está discutindo boas práticas então, mesmo que indiretamente, teve algum impacto.