O Brasil tem uma avenida de oportunidades para a inserção de ônibus de baixa emissão de poluentes em seu sistema de mobilidade urbana. Uma boa alternativa para o país é promover a combinação das diversas tecnologias disponíveis, como os veículos elétricos, híbridos e movidos a biocombustíveis, de modo a explorar o que cada uma tem de melhor. As conclusões são da tese de doutoramento da economista Tatiana Bermúdez Rodríguez, defendida junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O trabalho foi orientado pela professora Flávia Consoni.
Em sua pesquisa de doutorado, Tatiana analisou diversos aspectos associados à transição sócio-técnica de um sistema de mobilidade baseado no uso intensivo do transporte individual e de combustíveis fósseis para um sistema de baixo carbono. Para isso, ela entrevistou dezenas de atores envolvidos com o tema, como representantes de empresas de ônibus, de associações de classe, de fabricantes de componentes, de organizações não governamentais e da administração pública, entre outros. Além disso, ela também participou de audiências públicas da Licitação do Sistema de Transporte Público Coletivo de São Paulo e acompanhou projetos demonstrativos realizados entre empresas, universidades e centros de pesquisa.
O esforço, explica a autora da tese de doutorado, foi no sentido de identificar com a maior precisão possível as oportunidades e desafios relacionados com essa mudança de paradigma no sistema de mobilidade urbana brasileiro. “O que nós constatamos é que, no caso do Brasil, não é recomendada a aposta em uma única tecnologia. A melhor opção é combinar soluções diferentes, como ônibus movidos a biocombustíveis, híbridos e elétricos, explorando as maiores potencialidades de cada tecnologia”, afirma Tatiana.
No âmbito das oportunidades, a pesquisadora lembra que alguns municípios brasileiros, que são responsáveis pela formulação das políticas de transporte público, já desenvolvem projetos pilotos com ônibus de baixa emissão. O caso de Campinas merece destaque nesse contexto. A cidade conta com a maior frota de ônibus elétricos movidos a baterias do Brasil. São 13 veículos alimentados por bateria e dois híbridos em operação. “As pessoas podem pensar que o número é pequeno, mas não é. Para se ter ideia, Barcelona tem somente quatro ônibus elétricos a bateria no seu sistema de transporte público”, compara Tatiana.
Tanto em Campinas quanto em outras cidades do Brasil, acrescenta a professora Flávia, a operação desses veículos tem sido feita sem qualquer contratempo que mereça menção. “As iniciativas em torno da eletromobilidade ainda são muito recentes, mas essas experiências iniciais têm demonstrado que ela é uma alternativa importante para que caminhemos para um sistema de mobilidade de baixo carbono”, considera. De modo geral, diz Tatiana, o país reúne condições para a produção nacional de ônibus elétricos e/ou de baixa emissão, pois já possui uma indústria consolidada nas áreas de chassis, carrocerias e componentes.
O Brasil não está capacitado apenas para a produção de células de lítio para baterias, mas essa limitação pode ser contornada, como a experiência de Campinas indica. “As baterias utilizadas nos veículos que operam em Campinas são alugadas. É possível lançar mão de um sistema de leasing para atender à demanda por esses componentes que será gerada pela introdução dos ônibus elétricos no sistema de mobilidade dos municípios”, pontua a professora Flávia. De acordo com ela, o uso de veículos elétricos (movidos a baterias), híbridos (baterias e biocombustível) e trólebus (ligado diretamente à rede) pode gerar importantes ganhos econômicos e socioambientais.
A produção em escala desses veículos, observa a docente do IG, daria impulso às empresas que já compõem a cadeia do setor de veículos pesados e estimularia a criação de novos negócios, o que refletiria positivamente na geração de empregos e riqueza. Paralelamente, a entrada em operação de ônibus de baixa emissão contribuiria para a consequente redução do número de doenças provocadas pela poluição, resultando numa descompressão do sistema de saúde pública. Ruídos nos centros urbanos também seriam reduzidos, já que os ônibus elétricos são silenciosos. “Isso sem falar que o incremento do transporte coletivo ajudaria a diminuir o número de carros particulares nas ruas, aliviando assim o trânsito dos médios e grandes centros urbanos. Dados da literatura indicam que para transportar 48 pessoas são necessários 40 automóveis, que ocupam 840 m² de área. Um ônibus transporta esse mesmo número de pessoas, ocupando uma área de 50 m²”, completa Tatiana.
Desafios – Mas se as vantagens da transição para um sistema de baixa emissão são tão evidentes, o que impede que essa solução seja imediatamente adotada? De acordo com a professora Flávia, embora o Brasil reúna condições favoráveis para essa mudança, o país também precisa enfrentar alguns desafios que não são triviais. O primeiro deles é o preço dos ônibus elétricos. Cada veículo custa, em média, três vezes mais que um convencional, o que representa um investimento bastante significativo. Além disso, há também a questão relativa à aquisição das baterias, que são os componentes mais caros dos ônibus.
Outro problema, conforme Tatiana, refere-se a uma mudança de cultura por parte das empresas operadoras do transporte. Para que o ônibus elétrico seja viável economicamente, ele tem que ser utilizado ao longo de toda a sua vida útil. “Atualmente, as empresas de transporte de passageiros utilizam um veículo com motor a explosão por 5 ou 6 anos e depois o revendem, obtendo assim recursos significativos. Essa prática deixaria de existir com a introdução dos ônibus elétricos”, esclarece.
Também estão incluídos no quesito “desafios” o treinamento dos funcionários das operadoras para trabalhar com a nova tecnologia e a definição de políticas públicas que incentivem a obtenção de condições de financiamento especial para a compra dos veículos, bem como o estabelecimento de uma tarifa de energia elétrica diferenciada para a área do transporte público. Ao longo da pesquisa do doutorado, Tatiana participou das discussões em torno desses temas e teve a oportunidade de acompanhar em detalhes o trâmite da licitação do Transporte Público de São Paulo, elaborada pela Prefeitura de São Paulo para a concessão da operação do transporte urbano, junto com a Equipe da São Paulo Transportes S.A (SPTrans).
Depois de muitas idas e vindas, a expectativa é que o processo seja encerrado nas próximas semanas. Um dos pontos positivos da licitação é que ela articula a operação do sistema de transporte com a chamada Lei do Clima, aprovada em 2009. Esta legislação não foi cumprida no prazo definido, o que demandou a sua modificação, particularmente em relação ao Artigo 50, mediante a Lei 16.802/18. Esta última estabelece os prazos de 10 e 20 anos para que sejam alcançadas metas gradativas de redução dos três principais poluentes emitidos pelos ônibus: dióxido de carbono (CO2 – 50% e 100%), material particulado (MP – 90% e 95%) e óxido de nitrogênio (NOx -80% e 95%).
Da forma como está sendo conduzido, conforme a professora Flávia, o processo de licitação da Prefeitura de São Paulo tem condições de servir de referência para outros municípios, dado que a frota que deve ser renovada é de aproximadamente 14.000 ônibus. “Não é demais lembrar que além das vantagens já mencionadas, o Brasil tem um atributo que o distingue dos outros países, que é a sua matriz energética baseada em fontes renováveis, como as hidrelétricas. Ou seja, temos plenas condições de abastecer uma ampla frota de ônibus elétricos com energia advinda de uma fonte limpa, sem comprometer o suprimento da população, conforme já atestaram as empresas de energia. Além disso, nossas cidades também apresentam altos índices de insolação, o que pode permitir que as baterias dos ônibus sejam alimentadas por sistemas de recarga com painéis solares fotovoltaicos”, antevê a docente do IG.
Ainda de acordo com a professora Flávia, a tese de doutoramento de Tatiana, que contou com bolsa de estudo concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi desenvolvida no contexto das pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico (LEVE), vinculado ao DPCT. “Nós participamos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica lançado pela Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], junto com a CPFL, o que nos abriu a oportunidade de trabalharmos com inúmeros temas da mobilidade elétrica, principalmente na área de políticas públicas. Temos oferecido nossas contribuições para diversos órgãos e instituições. Participamos, entre outras iniciativas, da elaboração de um livro sobre “Governança e Políticas Públicas para Veículos Elétricos” para o projeto Promob-E da Agência Alemã de Cooperação GIZ e apoiamos o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) na formulação do Plano Nacional de Eletromobilidade, a ser lançado em breve”, contextualiza a professora do IG.
Projeto prevê ônibus elétrico em campus da Unicamp – Brevemente, os integrantes da comunidade universitária e os visitantes da Unicamp poderão circular pelo campus de Barão Geraldo a bordo de um ônibus elétrico. O veículo será operado no âmbito do projeto “Campus Sustentável”, desenvolvido pela Universidade em parceria com a CPFL Energia, no contexto do Programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Iniciado em janeiro de 2018, e com duração de 36 meses, o Campus Sustentável pretende obter economia gradativa com gastos em eletricidade pela Unicamp. A meta é atingir pelo menos R$ 1 milhão de economia por ano, do gasto atual de R$ 25 milhões.
A economia será resultado de oito ações integradas, entre elas a inserção do ônibus elétrico. O campus de Barão Geraldo oferece um sistema de transporte circular para alunos, professores, funcionários e visitantes, operado através de quatro veículos com motores à combustão interna. Este subprojeto incluirá um ônibus elétrico na frota, que circulará diariamente nas rotas já estipuladas, permitindo a análise comparativa dos impactos socioambientais, técnicos e econômicos da utilização desta tecnologia em ambientes urbanos. O projeto prevê, ainda, a implantação de um eletroposto sustentável, com geração própria de energia fotovoltaica e gestão do uso para recarga de ônibus elétricos.
Fonte: Ascom Unicamp