Fortalecendo o empreendedorismo feminino

Entrevista com Roberta Vilaça Por Patricia Mariuzzo

Aproveitando as comemorações e discussões motivadas pelo Dia Internacional da Mulher, em 08 de março, e que se estendem por todo o mês de março, o Portal Campinas Inovadora, conversou com a empresária Roberta Vilaça, co-fundadora do espaço de co-working Go On Office e da aceleradora de negócios Go On Women. Empreendedora há mais de 20 anos, ela se define com uma educadora e desenvolve programas de fomento ao empoderamento feminino, através do empreendedorismo. Mineira de Belo Horizonte, Roberta adotou Campinas desde 2011. Com larga experiência na gestão e no planejamento estratégico para negócios, ela busca articular oportunidades de negócios entre empresas e pessoas. Roberta é também mentora no Programa de Pré-Aceleração de Startups Digitais do Sebrae-SP, mentora da Aceleradora de Negócios Founders Institute e Embaixadora do MBI da Universidade Federal de São Carlos. Nessa entrevista, concedida nos jardins do espaço de co-working Go On Office, ela falou sobre sua jornada como empreendedora e as escolhas que a levaram a criar um programa de aceleração de negócios exclusivo para mulheres. A terceira edição do programa está com inscrições abertas e vai selecionar 20 mulheres que desejam iniciar ou rever sua jornada empreendedora. Confira abaixo o que Roberta nos contou.

Crédito: Go on Office

Necessidade de empreender

Eu comecei a empreender muito nova, e a minha percepção é que isso sempre foi uma necessidade de buscar algo a mais. Logo que me formei, em gestão de saúde pública, o receio de não conseguir uma colocação no mercado me impulsionou a montar um negócio. Eu tinha um dinheiro guardado e meu marido (que era meu namorado na época) tinha um terreno no centro da cidade de Betim, na grande Belo Horizonte. Nós resolvemos construir um galpão. Terminada a obra, não sobrou dinheiro nem para fazer uma logomarca. Então procurei um amigo, dono de uma fábrica de colchões,  e falei que tinha esse espaço no centro da cidade e que queria montar uma loja. Ele me emprestou R$ 10 mil em produtos. Esse foi o início da minha jornada empreendedora, eu comecei a empreender com dinheiro dos outros.

Empreendedorismo e maternidade

Pouco tempo depois de montar a loja, eu fui chamada para assumir um cargo,  em um concurso público. Durante quatro anos eu me dividi entre ser empresária e funcionária pública. O negócio se desdobrou em uma fábrica e loja de móveis. O negócio foi bem-sucedido, tanto que ele funciona até hoje lá em Betim. Mas em algum momento eu senti uma necessidade de mudança, especialmente porque queria estar mais perto da minha filha. Foi quando eu tomei a decisão de deixar de ser funcionária pública para me dedicar ao meu negócio e a minha filha. Eu me tornei uma empreendedora de fato para ser a mãe que eu sempre quis ser.

O valor da experiência

Nesses 20 anos de empreendedorismo eu montei 10 negócios diferentes. Alguns foram muito bem sucedidos e outros nem tanto. Ao longo da minha jornada eu sempre busquei o novo. Enquanto eu ia  tocando um negócio, sempre estive atenta às oportunidades que iam surgindo, com novos negócios sendo desenvolvidos usando a experiência e o conhecimento que eu vim acumulando em experiências anteriores. Esse é um princípio que guia a minha vida profissional: usar os recursos que eu tenho a meu favor! Esse é um ensinamento que eu passo para as mulheres que vêm para a aceleradora: enfatizar os pontos fortes, porque  temos pouco tempo para desenvolver os pontos fracos.

A empreendedora Roberta Villaça. Crédito: Go on Office

Sobre os erros ao longo da jornada

Eu e minha família mudamos para Campinas em 2011. E aqui eu cometi um erro que pode ser fatal para muitos empreendedores: achar que o negócio de móveis que eu tinha em Minas seria automaticamente bem-sucedido aqui. O sucesso que eu obtive naquele mercado me impediu de ver que a cidade de Campinas tem outro cenário, com um perfil diferente de comprador. A despeito de eu ter um bom produto e oferecer um bom serviço (na época eu trabalhava com decoração também), meu produto não foi aceito aqui. O resultado foi que, em um ano eu perdi quase tudo o que eu consegui em 10 anos de trabalho. O que eu aprendi foi que ter muito êxito, em determinado negócio,  não garante a continuidade desse sucesso. Isso acontece com vários empreendedores. Sabemos que, de cada 10 investimentos, apenas um vai dar certo!

Um novo espaço de co-working

Nesse período em que eu estava buscando outras oportunidades fui contratada por uma empresa de e-commerce, em São Paulo e lá eu trabalhava em um espaço de co-working e foi daí que surgiu a ideia de criar um espaço assim aqui em Campinas. Inauguramos o Go On Office em 2017, um escritório compartilhado entre empresas e empreendedores e que também oferece espaço para eventos e treinamentos. O escritório tem ainda um espaço destinado a eventos gastronômicos e culturais. Aqui, eu e minha equipe cuidamos de toda a estrutura: internet, limpeza, manutenção, água, luz, café etc., assim nosso cliente pode focar no que importa, no negócio dele.

Participantes do programa de aceleração no demoday, 2018. Crédito: Go On Office

Empoderamento das mulheres

Já a  aceleradora Go On Women acabou nascendo do meu dia a dia no Go On Office. Quando estavam enfrentando algum tipo de dificuldade, muitos dos meus clientes vinham me pedir conselhos. Foi a partir daí que eu entendi que poderia criar uma consultoria de negócios. Só que eu não queria ser mais uma consultoria, ao contrário, meu desejo era desenvolver algo que fosse único e que fizesse diferença no ecossistema de inovação de Campinas. Então, em 2018, eu montei um protótipo de uma aceleradora de negócios voltada para mulheres. O programa é baseado no quarto princípio de empoderamento da mulher, da ONU, que defende a promoção da educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres. O empreendedorismo de uma forma geral já tem seus próprios desafios e o fato de ser mulher acrescenta outros tantos. Pesquisas atestam que se  um grupo de mulheres e homens estiverem fazendo um pitch (apresentação rápida feita por um empreendedor a fim de convencer investidores e clientes do potencial de um negócio), a chance de um investidor homem investir no negócio de uma mulher é menor porque ele confia mais no que um outro homem está falando. São barreiras sociais.

Como funciona a Go On Women

Eu comecei a validar algumas formas de atender a essas mulheres. Em setembro de 2018, eu lancei a primeira edição do programa de pré-aceleração de negócios só para mulheres e foi um sucesso absoluto. O programa dura três meses. São 10 encontros semanais para uma sessão de mentoria em grupo. Eu faço a curadoria desses mentores com muito cuidado. Hoje temos uma fila de pessoas que querem ser mentores do programa. A ideia é trazer especialistas de áreas fundamentais para quem está começando um negócio, como por exemplo, precificação ou a parte contábil ou jurídica. O programa tem um custo, mas as vagas são subsidiadas por empresas patrocinadoras, com isso conseguimos dar algumas bolsas para uma parte das “mentoradas”. O programa é altamente inclusivo, com mulheres de diferentes origens, formações e classes sociais. Isso é importante porque a diversidade também é uma fonte de aprendizado, proporcionando trocas entre as participantes. Temos um dia de pitch e um demoday, em que elas se apresentam para agentes importante do ecossistema de negócios de Campinas. Na última edição tivemos representantes da Prefeitura de Campinas, do Campinas Tech, do Google Developer Group, da Rede Mulher Empreendedora e de outras aceleradoras do ecossistema de inovação de Campinas como a WeMe, Baita e  Founders Institute.

Mindset empreendedor

A aceleradora Go On Women tem um método exclusivo. O foco de desenvolvimento não é o negócio propriamente dito, mas o mindset da mulher. Isso porque se uma mulher não tiver um mindset empreendedor, a chance de ter êxito no negócio é praticamente zero. Isso significa que essa mulher tem que gostar de desafios, porque empreender é um investimento de altíssimo risco, que exige resiliência. Outra característica importante é cultivar a autoestima para separar a pessoa do negócio. O negócio pode estar dando errado, mas isso não quer dizer que a mulher é uma fracassada. Ao mesmo tempo, é fundamental estar aberta a feedbacks negativos. Ser uma pessoa vitimista também não combina com ser empreendedora. Enfim, são várias as habilidades que trabalhamos com as mentoradas, na verdade, as mesmas habilidades que se espera do profissional do século XXI.

Vidas transformadas

A aceleradora para mulheres tem gerado resultados extraordinários, muito além do que eu imaginei. Acontecem transformações incríveis na vida dessas mulheres. O demoday da primeira turma tinha 70 pessoas assistindo. Para muitas foi a primeira vez que elas falaram em público sobre o negócio delas. Eu me emociono muito com os resultados, ao ver o impacto da mentoria na vida dessas mulheres. Elas mudam a maneira de pensar e têm coragem de ser elas mesmas, de acreditar em seus negócios. Não se trata de glamourizar o empreendedorismo, esse nunca é um caminho fácil. Essa transformação se dá pelo conhecimento para montar um negócio, que é uma grande ferramenta de mudança e de empoderamento. Construímos uma comunidade de mais ou menos 250 mulheres que trocam experiências, que incentivam os negócios umas das outras. De uma maneira muito orgânica as coisas vão tomando essa forma e fazendo sentido para todas. Estamos indo para a terceira turma de pré-aceleração com 20 vagas e uma lista de espera de 90 pessoas. E isso aconteceu a partir da primeira turma, da qual participaram 12 mulheres.

Contribuindo com um ecossistema de inovação

No Brasil,  somos a única aceleradora exclusiva para mulheres, que não acelera somente negócios de base tecnológica. E, mesmo com pouco tempo de atuação, já temos o reconhecimento de importantes atores do ecossistema da cidade. O programa segue em construção, mas o meu foco sempre será a mulher independentemente do tipo de negócio que ela deseja empreender. Em geral, dentro desses ecossistemas de inovação fala-se muito em negócios de alto impacto. Quantas pessoas você vai impactar? Qual a mudança ou a transformação no mundo eu vou fazer? Quanto seu produto é escalonável? Essas são perguntas frequentes. Eu escolhi olhar para as pessoas comuns, para as mulheres, para ajudá-las a terem as mesmas oportunidades que os homens. Para mim, qualquer negócio pode ser de alto impacto, mesmo os pequenos, como uma mulher que faz bolos ou que fabrica bijuterias. Um pequeno negócio pode ter um alto impacto em uma família, em uma comunidade. Se cada pessoa gerar um impacto positivo no seu ambiente, por efeito cascata teremos alto impacto. Eu acredito nisso. Nos meus 20 anos como empreendedora eu aprendi muita coisa e posso ensinar isso a outras mulheres. Sou uma educadora, ensinando coragem e sobre empreender.

Por Patricia Mariuzzo