Aos 23 anos, recém-formado no curso de engenharia da computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), César Gon abriu uma startup focada no desenvolvimento de softwares com dois colegas de faculdade, Bruno Guiçardi e Fernando Matt, que continuam na direção do negócio. Assim nascia, em 1995, a CI&T. “Era um momento diferente, com o início da internet comercial como ferramenta de negócios no Brasil e no mundo”, recorda-se Gon, hoje com 47 anos.
A empresa prosperou, internacionalizou-se e virou uma multinacional com escritórios nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, China e Japão. Mais de 2.800 pessoas trabalham na companhia, que espera alcançar R$ 1 bilhão de receita em 2020 e foi eleita a principal parceira do Google no mundo de 2014 a 2016.
Hoje, a principal oferta da CI&T não são mais softwares feitos sob medida para clientes corporativos. “Há dois anos, criamos uma metodologia, batizada de Transformação Lean Digital, para ajudar marcas nascidas no século XX a se adequarem ao ambiente de negócios do nosso século.” Nesta entrevista concedida no Prisma, nome do prédio que sedia a companhia em Campinas (SP), Gon explica a nova proposta de negócio da empresa e conta os segredos da trajetória de uma startup brasileira que se transformou em uma empresa global.
O que é a Transformação Lean Digital que vocês oferecem ao mercado?
O objetivo dessa proposta é mudar processos e a cultura de ambientes corporativos de grandes marcas nascidas no século XX, para que tenham a agilidade exigida na era digital do século XXI. Queremos ajudar as corporações nessa jornada de transformação, adicionando valor capaz de impactar os negócios. Nenhuma empresa, por mais bem-sucedida que tenha sido no passado, poderá prescindir de se redesenhar segundo a perspectiva do cliente. Não é à toa que os presidentes das maiores companhias do mundo entendem a transformação digital como um desafio de cultura, e não apenas tecnológico.
Em que essa metodologia se baseia?
Ela se apoia em três elementos: mudança na forma como a empresa desenha e constrói soluções digitais baseadas na filosofia Lean [veja explicação adiante]; transformação de seu sistema de gestão com adoção de ciclos curtos de aprendizado; e redesenho do modelo de liderança, sem medo de errar. Esses três componentes fazem a transformação digital da companhia, que passará a ser mais rápida e inovadora e focada no cliente. Obviamente, isso resvala para a área de tecnologia. Não dá para competir no mundo moderno sem que o software e a informação sejam o coração do seu negócio. Mas é preciso ir além da tecnologia e promover uma mudança de cultura e do modo de pensar.
Por que é importante para as marcas fazer essa transição?
A competição entre as empresas no século XXI está obsessivamente focada na velocidade com que, a partir da análise de dados, entendemos, atendemos e surpreendemos o cliente. Mas as grandes corporações são lentas por natureza e não estão preparadas para essa realidade. Elas olham para o lado e veem uma Amazon, um Google ou uma Apple, que já nasceram no ambiente digital e são muito mais rápidas do que elas.
Seria não apenas uma questão de adaptação a novas tecnologias, mas de firmar uma nova relação com os consumidores?
Sem dúvida. A forma como nos relacionamos com as marcas é radicalmente diferente de 10 anos atrás. Nosso desejo é mais volátil, temos menos apego à tradição. Queremos saber se aquela marca resolve nossos problemas, se nos entende e nos trata de maneira única. A saída possível é se conectar de verdade nessa volatilidade, nessa incerteza.
Onde vocês se inspiraram para criar essa proposta?
O método Lean tem origem na palavra “enxuto”, em inglês, e surgiu nas linhas de produção da montadora japonesa Toyota nos anos 1980. Propunha implementar um fluxo de processos mais simplificado, visando à redução de desperdício de recursos – materiais, tempo, mão de obra etc. – e à elevação do valor agregado ao cliente. Nós nos inspiramos nesse método para ampliar as competências digitais dos clientes.
Na prática, como se dá essa transição?
O programa é de longo prazo, mas com metas curtas. Queremos que a empresa aprenda a pensar em ciclos de negócios menores, de três meses. O que é possível fazer nesse tempo? Mudar a dinâmica de aprendizado das companhias.
Poderia dar exemplos de um cliente que passa por esse processo?
Nossa carteira no Brasil tem 30 corporações de grande porte, entre elas Coca-Cola, Itaú, Raízen e Cielo. Na Coca-Cola, estamos ajudando a implantar um conjunto de princípios para que ela mude a forma como se organiza, se conecta com o público e resolve os problemas dos consumidores. Isso significa encurtar o ciclo de lançamentos, passando de dois ou três anos para três ou quatro meses.
A empresa já lançou produtos nessa esteira de inovação?
Sim. O primeiro foi uma linha de sucos para família, que chegou ao mercado junto com ferramentas digitais que coletam dados sobre a receptividade do produto. O segundo foi um refrigerante natural, uma categoria nova no mundo. No fundo, não se quer criar produtos de massa, como a Coca Zero, mas entender os hábitos de cada consumidor. Se a Coca-Cola conseguir ser uma máquina de entendimento, experimentos e lançamentos, com uma cultura guiada por dados, ela se tornará mais inteligente e próxima do consumidor.
A CI&T também sofreu um processo de transformação desde sua criação, não?
A empresa nasceu em 1995 focada em engenharia de software no início da internet comercial como ferramenta de negócios. Visualizamos a internet como uma porta de entrada e éramos especializados em tecnologias específicas. Nosso foco era o mercado nacional. Esse primeiro capítulo de nossa história durou cerca de 10 anos. Em seguida, teve início o processo de internacionalização.
Como foi a transição de uma startup focada no Brasil para uma empresa global?
Nos anos 2000, quem quisesse participar do jogo da indústria de tecnologia da informação em nível global precisava ter um selo de classificação para fabricantes de softwares, chamado CMMI [sigla de Modelo Integrado de Maturidade em Capacidade]. Fomos a primeira empresa brasileira a obtê-lo, em 2004. A partir daí, fechamos contratos nos Estados Unidos.
Como isso se deu?
Chegamos lá com a oferta de softwares customizados, mas o ambiente de negócios, principalmente no Vale do Silício, dava mostras de que esse era um modelo ultrapassado. A indústria do futuro era a da inovação. Era preciso dominar um conjunto de tecnologias e descobrir como poderiam criar disrupções para empresas e consumidores. O negócio não se traduzia mais em ficar sentado esperando uma demanda. Era preciso provocar o cliente com oportunidades tecnológicas e propor soluções e inovações. Nessa época, por volta de 2006, começaram a surgir as mídias sociais, smartphones, computação em nuvem e todo o arsenal de big data.
Essas forças mudaram o que se podia fazer com tecnologia na ótica do consumidor.
Certamente. Passamos a ter bilhões de pessoas com um dispositivo que cabe no bolso conectadas por meio das mídias sociais, gerando bilhões de dados. Houve também uma queda do custo computacional e o advento de técnicas de inteligência artificial. Isso mudou o jogo. Não dava mais para desenhar os softwares como antes. As possibilidades eram diferentes.
Como se adaptaram a esse momento?
Desburocratizamos a forma de produzir softwares e criamos outra oferta de valor para o mercado. Superamos o modelo de negócio por especificação e desenho técnico e passamos a trabalhar plugados nos problemas do cliente. O time de engenharia se aproximou da equipe de negócio. De forma proativa, apresentávamos aos clientes possibilidades tecnológicas que permitiriam gerar ativos digitais e experiências. Foi o segundo capítulo da CI&T, que durou até 2017, quando criamos a proposta de Transformação Lean Digital.
Como o Prisma, sede da empresa em Campinas, se encaixa nessa nova fase?
O Prisma é um espaço de cocriação de transformação digital inaugurado em 2016. Parte da mudança cultural que propomos passa pela criação de ambientes de colaboração, onde as pessoas trocam ideias e liberam o que chamamos de inteligência coletiva. É preciso desmontar fisicamente os sisudos ambientes corporativos e criar novos espaços com menos símbolos de poder e hierarquia – algo que já ocorre no Vale do Silício. Nos próximos meses, vamos criar um segundo Prisma da CI&T na Califórnia.
Ele vai abrigar a unidade de negócios da CI&T nos Estados Unidos?
Sim. Já atendemos lá Motorola, Johnson & Johnson e Google, entre outros clientes. Para o Google, criamos softwares de finanças e marketing, mas nossa relação é como parceiro, notadamente em aprendizado de máquina e computação em nuvem.
A CI&T está presente em que mercados?
Estados Unidos, Canadá, China, Japão e Europa, notadamente na Inglaterra. Metade do faturamento, de mais de R$ 600 milhões em 2018, é gerada no Brasil e o restante no exterior, principalmente nos Estados Unidos, com cerca de 85% da receita internacional. Aqui, toda a carteira é de transformação digital, mas lá fora essa oferta representa 65% do total – o restante são contratos voltados à inovação. Em dois anos, devemos ter 100% da carteira nessa proposta de valor.
Como anda o crescimento da empresa?
Nos últimos 15 anos dobramos de tamanho a cada três anos, em média, e queremos chegar a R$ 1 bilhão em 2020, mantendo mais de 50% do negócio no exterior. O mercado externo é uma régua competitiva, já que os Estados Unidos são a primeira divisão da nossa indústria. Temos que ganhar o jogo lá.
Como está estruturado o setor de P&D?
No mundo digital, é absolutamente anacrônica a visão tradicional de P&D, em que você tem um laboratório com PhDs, desconectados da realidade do cliente, criando coisas de valor. Tente achar a área de P&D do Google ou da Amazon. É impossível. Cada engenheiro do Google é uma célula de inovação. É assim que gosto de pensar a CI&T. A palavra P&D nunca se aplicou à indústria de software. E como toda indústria está virando indústria de software, ela se aplica cada vez menos.
Então, qual é o papel dos centros de desenvolvimento da CI&T?
Esses centros, situados em Campinas, Belo Horizonte, Tóquio, no Japão, e Nimbo, na China, concentram processos intensivos de capital humano para produção das plataformas digitais dos clientes, como aplicativos, portais de e-commerce, bases de dados para big data e analytics. Belo Horizonte é o nosso hub de exportações focado em tecnologias e serviços remotos destinados aos Estados Unidos. Campinas concentra-se nas áreas financeira, de varejo e de comércio eletrônico. Os centros de China e Japão desenvolvem tecnologias para smartphones e e-commerce. Temos outras seis unidades de negócio. No total, são mais de 2.800 funcionários, sendo 120 nos Estados Unidos, 100 na China, 40 no Japão e cerca de 10 na Europa.
Quanto vocês investem em inovação e qual é o tamanho do time dedicado a ela?
Não dá para responder. Recentemente, Google, Facebook e as empresas do Vale do Silício anunciaram que não exigiriam mais diploma de engenheiro. Aqui na CI&T faz um tempo que nossos processos de atração de talentos são hands on, expressão em inglês que quer dizer “vem pra cá, trabalha com a gente, desenvolve soluções e vemos se faz sentido trabalharmos juntos”.
O diploma, então, não faz diferença?
Nossas contratações têm pouco a ver com diploma, embora grande parte dos colaboradores venha da Unicamp e da USP [Universidade de São Paulo]. Mas esse não é o ponto de partida. Nos processos seletivos, priorizamos as habilidades, a velocidade de aprendizado e a capacidade de colaboração dos candidatos em um ambiente de trabalho multicultural, com respeito à diversidade. Para nós, é isso o que importa.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.