O ambientalista Rogério Menezes graduou-se em oceanografia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS) e é mestre ecologia pela mesma universidade. É membro das executivas estadual e nacional do Partido Verde. Sua carreira combina o magistério com a gestão ambiental. Entre outros cargos, foi secretário-adjunto de estado de saneamento e recursos hídricos, secretário de agricultura e meio ambiente de Marília (1997 e 2000); coordenador de recursos hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras do Estado de São Paulo (2000 e 2002) e secretário do meio ambiente de Diadema (2009 e 2010). Veio para Campinas em 2007 como professor-convidado da PUC. Em 2013 assumiu a Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “Naquele momento tínhamos uma secretaria muito frágil, com um orçamento baixo, inexpressiva. Ao longo de sete anos, evoluímos bastante, triplicando o orçamento e fortalecendo a legislação ambiental em Campinas”, disse. Nesta entrevista para o Portal Campinas Inovadora, Menezes destaca alguns resultados do seu período à frente da Secretaria, fala sobre desenvolvimento sustentável e sobre o conceito de cidade inteligente no qual ele acredita.
O senhor poderia descrever rapidamente como está organizada a Secretaria e suas atribuições?
As atribuições da Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Campinas estão descritas na Lei Complementar nº 59. de 09 de janeiro de 2014. Entre outros objetivos, cabe à Secretaria promover a defesa e garantir a conservação, proteção e recuperação do meio ambiente no território municipal, estudar e propor espaços ambientalmente protegidos e de recomposição de vegetação. Também somos responsáveis por avaliar as políticas públicas, em especial quanto ao impacto ambiental; licenciar empreendimentos e atividades de impacto ambiental local, autorizar a supressão, intervenção e manejo de vegetação em Áreas de Proteção Permanente (APP) e fiscalizar, controlar e monitorar os empreendimentos e atividades causadoras de degradação ambiental. Temos ainda um trabalho importante na área de educação ambiental.
Como o senhor avalia sua gestão frente à Secretaria?
Eu posso dizer com tranquilidade que evoluímos muito desde de 2013, quando eu assumi. Naquele período a Secretaria era muito frágil, tinha sido criada por decreto e houve um momento, em 2008, em que chegou a ser o extinta. Nós fizemos uma grande reestruturação para consolidar uma Secretaria forte, criada por lei complementar. Triplicamos o orçamento. Em 2018 executamos mais de R$ 26 milhões em ações na cidade. Em 2012 esse orçamento era de R$ 5,6 milhões. Todos os indicadores têm melhorado. Temos atuado ainda na consolidação de compromissos ambientais firmados com o setor privado. Hoje temos quase R$ 40 milhões em compromissos firmados. Projetos como a ciclovia das avenidas Baden Powell, no Jardim Nova Europa, e a da Avenida Norte-Sul foram viabilizados com recursos de compensação ambiental.
Tendo em vista que Campinas é uma metrópole que inclui um importante parque industrial e ao mesmo tempo uma significativa área de proteção ambiental, quais os principais desafios na área do meio ambiente?
O principal desafio é alinhar esse perfil da nossa cidade a um conceito moderno de desenvolvimento que é o desenvolvimento sustentável. Não se trata de pensar uma coisa ou outra, mas harmonizar o desenvolvimento econômico, a qualidade de vida da população com o aspecto ambiental. Pelas nossas características, Campinas se presta muito a isso, mas carecia, na área ambiental, de um fortalecimento da legislação. Nos últimos sete anos tivemos um número recorde de aprovação de leis e decretos nessa área. Além disso, elaboramos o Plano Municipal do Verde, documento elaborado em conjunto com representantes de outras secretarias, cujo objetivo é consolidar as ações de conservação e recuperação das áreas verdes de Campinas, determinando programas que assegurem as funções básicas destas áreas e beneficiem toda a população campineira.
No Brasil, as secretarias de meio ambiente ainda sofrem com problemas de orçamento. Qual a estratégia para colocarem prática uma política de gestão ambiental neste contexto?
De fato, a média de recursos dessa secretaria nas cidades brasileiras varia de 0,3 a 0,5% do orçamento. No nosso caso, entendemos que, além de executora de projetos, o papel que a Secretaria do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável deve ter é o de articular ações. Foi assim que acabamos por atrair investimentos para a área de recursos hídricos e de mobilidade no município. Em 2013, coordenamos o Plano Municipal de Saneamento, que foi coordenado por nós em 2013, que acabou por destravar a captação de recursos pela Sanasa, a partir de 2014. Vamos terminar esse governo com R$ 650 milhões de investimentos feitos e com 100% de capacidade instalada para coleta e tratamento de esgoto. Isso é inédito no cenário brasileiro. Seremos a primeira cidade com mais de um milhão de habitantes com universalização de coleta de esgoto. Estamos na ordem de 86% de esgoto coletado e tratado. Outro exemplo são os investimentos na frota de ônibus elétricos em Campinas. Não somos nós que fazemos gestão da frota, mas por conta da nossa preocupação com a ampliação da geração de energia fotovoltaica, tivemos envolvimento direto com a articulação que resultou na vinda da chinesa BYD para Campinas. A empresa é fabricante de painéis fotovoltaicos e desenvolve soluções para mobilidade elétrica.
A cidade de Campinas está envolvida no projeto de criação de um Hub Internacional para o desenvolvimento sustentável (HIDS). Como você enxerga essa iniciativa?
Eu acho extremamente pertinente, alinhado com a visão da cidade, dessa gestão. É muito positiva essa aspiração da Unicamp, uma universidade que é referência no país, de articular seu crescimento com outros territórios, para além da Fazenda Argentina, com uma visão macro que une todo o setor de tecnologia da cidade. Ao buscar atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) juntamente com o poder público e com parceiros do setor privado, o projeto tem potencial de influenciar a visão estratégica do desenvolvimento da cidade como um todo. A transição para uma economia de baixo carbono é uma oportunidade de geração de emprego e renda. Poucas cidades no Brasil podem liderar esse movimento. O poder público alinhado com a universidade, com o nome que tem a Unicamp, dão um sinal importante para o setor privado. Diversas empresas no mundo já estão preocupadas com isso. Não podemos perder a oportunidade de fortalecer esse caminho. Os próximos anos serão decisivos. O HIDS certamente é um dos eixos de desenvolvimento da cidade de Campinas nas próximas décadas.
O HIDS pretende constituir um modelo de distrito inteligente que seja referência na região e no Brasil. A cidade de Campinas já elaborou seu plano estratégico de smart city. Em sua opinião, o que define uma cidade inteligente e sustentável?
Certamente a tecnologia perpassa uma cidade inteligente, mas há outras questões. Hoje a sociedade está imersa e funciona em redes: trabalho, comunicação, lazer, tudo se dá em redes. Mas as instituições democráticas ainda não estão imersas nessa lógica. Boa parte das cidades brasileiras, por exemplo, ainda estão muito atrasadas dos processos de informatização. Campinas está mais adiantada nesse processo. A Secretaria do Verde, por exemplo, tem o Portal Geoambiental Campinas, que permite a qualquer cidadão realizar consultas e downloads das informações ambientais do município. Temos ainda aplicativos de fiscalização ambiental e para licenciamento. 96% do licenciamento hoje em Campinas é digitalizado. Com isso, a sociedade, através dos conselheiros do meio ambiente, pode consultar os processos no celular. Isso é importante porque facilita o acesso aos serviços e à informação. Campinas está migrando para essa cidade do futuro. Mas ainda temos muitos problemas. O poder público demora seis meses para fazer uma licitação, uma roda que gira muito lentamente, ainda com muita burocracia.
O que há por trás disso?
O problema é que as nossas instituições não evoluíram na mesma velocidade da comunicar. Há um descompasso entre o cidadão, que pode participar de uma discussão em qualquer lugar do mundo e as instituições de maneira geral. As instituições democráticas têm que migrar para a sociedade em rede, têm que ir para dentro do celular. Os jovens de hoje interagem globalmente, conversam com o mundo. Como explicar para ele que para falar sobre política pública, interagir com a prefeituras etc., ele tem que procurar partidos políticos, fazer reuniões presenciais? Esse formato é do século XIX. Isso só vai se resolver na hora que a gente atualizar as nossas instituições. A participação gera engajamento. O poder público tem que ficar muito atento a isso. Mas a maior parte dos municípios brasileiros sequer iniciou esse processo. Hoje qualquer prefeitura, com o celular, tem como ouvir o cidadão em quase tudo. Isso não significa que temos que migrar para um tipo de “assembleismo” digital, mas em muitos países desenvolvidos isso já acontece. A população escolhe por meio do celular, em consultas públicas rápidas, coisas do dia a dia, do cotidiano, sobre investimento, obras etc. Já é totalmente possível essa interação. não há limitação tecnológica. é uma questão de decisão de modernizar a nossa democracia. Isso é parte de ser uma cidade inteligente. Cidade inteligente tem a ver com participação de todos.
Por Patricia Mariuzzo