Para responder a questões sobre os resíduos de agroquímicos existentes em vestimentas usadas por trabalhadores rurais e as possibilidades de contaminação, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, desenvolveu um método inédito, por meio do Instituto Agronômico (IAC), capaz de avaliar os resíduos de produtos químicos nas vestimentas, a resistência dos tecidos às lavagens e até a possível contaminação do solo, em caso de chuva ou de degradação do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Para chegar a esse sistema, foi necessário o desenvolvimento de um pulverizador específico para gerar dados uniformes de resíduos que permitisse avaliar qual o volume dos produtos que permanecem nos tecidos após 30 lavagens e se eles contaminam o solo. “A metodologia está com 90% de recuperação dos produtos nas amostras, o que significa que o método é eficiente”, explica o pesquisador do IAC responsável pelo estudo, Hamilton Humberto Ramos.
A pesquisa faz parte do Programa IAC de Qualidade em Equipamentos de Proteção Individual (IAC-Quepia) e foi apresentada na França, em maio de 2019, em reunião técnica do Consórcio Internacional para Desenvolvimento e Avaliação da Qualidade de Equipamentos de Proteção Individual na Agricultura. Ramos esteve entre os cientistas de dez países agrícolas que pesquisam a segurança do trabalhador rural em relação a produtos químicos.
Segundo Ramos, na França já havia tido uma tentativa de desenvolver um sistema para avaliação de risco de contaminação. Lá, o sistema de contaminação das amostras se dava por meio da distribuição de gotas o que, na avaliação do pesquisador, não representa a exposição na forma que ela ocorre no campo durante as pulverizações.
Em busca dessa uniformidade, o trabalho no IAC começou “do zero”, em 2017 como conta Ramos. “Começamos por desenvolver um pulverizador que deixe resíduos de maneira uniforme na amostra usada no experimento”, diz. A partir da elaboração do protótipo desse equipamento, ele foi validado em outubro de 2018. O trabalho é desenvolvido em parceria com a pesquisadora Anugrah Shaw, da Universidade de Maryland Eastern Shore, nos Estados Unidos, que esteve no Centro de Engenharia e Automação do IAC em setembro de 2018 e em fevereiro de 2019 para trabalhar no projeto.
Segundo Ramos, conhecer as características de matérias-primas utilizadas na fabricação dos EPI traz ganhos de sustentabilidade a países agrícolas e ajuda a reduzir a exposição do trabalhador rural a agentes químicos. “Saberemos se as vestimentas devem ser descartadas como lixo comum ou tóxico, ou mesmo se podem continuar sendo utilizadas pelos trabalhadores em outras atividades. Essa checagem, fundamental à preservação da saúde no campo, ainda não havia sido feita com o olhar da ciência em nenhum lugar do mundo”, continua o pesquisador do IAC, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA).
Para chegar a esse sistema inédito, os pesquisadores pesavam amostras do tecido da vestimenta usada pelo aplicador antes e depois da pulverização. O objetivo é registrar quanto da calda de agroquímico permanece na peça. “Avaliávamos a distribuição de água no tecido e assim fomos desenvolvendo o equipamento e o método para analisar os resíduos que permanecem após 10, 20 e 30 lavagens”, afirma.
No caso de a roupa estar contaminada após essas higienizações, o método desenvolvido permite aos pesquisadores investigar também se ela seria capaz de contaminar o trabalhador, pela liberação na pele durante o trabalho, o solo após uma chuva, ou se esse impacto só ocorreria frente à degradação do tecido. “Neste primeiro momento o foco do nosso estudo está no descarte do Equipamento de Proteção Individual (EPI) usado pelo aplicador”, afirma Ramos.
Como parte do trabalho, o pesquisador mandou produzir 40 vestimentas de acordo com os padrões da pesquisa e as distribuiu a agricultores para uso em regime experimental. Os participantes foram convidados a registrar dados como os produtos químicos utilizados em cada pulverização e o sistema de lavagem empregado. Após 10, 20 e 30 lavagens essas vestimentas, juntamente com os dados, são devolvidas ao IAC e encaminhadas ao Instituto Biológico, também da SAA, onde são feitas outras análises de resíduos.
“Estas informações servirão para a composição de um banco de dados sobre resíduos remanescentes em vestimentas efetivamente utilizadas no campo que, associadas aos dados do estudo de laboratório, irão compor as recomendações de descarte”, diz Ramos, que integra o consórcio internacional e Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Comitê Mundial da entidade certificadora global ISO – International Standartization Organization.
O próximo passo será a publicação do método como padrão de análises de resíduos em vestimentas. Além dos recursos do Estado de São Paulo, a pesquisa é financiada com recursos a fundo perdido da entidade francesa Union des Industries de la Protection des Plantes (UIPP), da Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF) e de fabricantes de EPI membros do Quepia.
Fonte: IAC