Em tempos de distanciamento social e quarentena por todos os lados, os cientistas estão mais ocupados do que nunca. Seja em esforços de colaboração para fornecer uma vacina em tempo recorde ou em tentativas de compreender os diferentes impactos (mentais, sociais, econômicos e políticos) da Covid-19, não há dúvida de que a ciência está no centro das atenções em nossas interações diárias (principalmente virtuais) e nas esperanças de um futuro pós-pandêmico. Ainda assim, sabemos pouco sobre os efeitos do Covid-19 na pesquisa científica. E se a ciência e os cientistas forem os temas de nossa pesquisa durante nesses tempos estranhos em que vivemos? Esse tem sido o trabalho de Rodrigo Costas, um dos investigadores do InSysPo (sigla para Innovation Systems, Strategies and Policy) e pesquisador sênior do Centro de Estudos em Ciência e Tecnologia (CWTS), da Universidade de Leiden, na Holanda. O centro é uma das principais instituições mundiais nas área de cientometria, política científica e avaliação de pesquisa, e também é conhecida por fornecer anualmente um ranking global de universidades baseado exclusivamente em métricas de pesquisa. Com a intenção de fornecer uma plataforma para contribuições contínuas sobre a pesquisa científica durante a pandemia, Costas e seus colegas iniciaram a série de webinários “Fazendo ciência em tempos de crise: perspectivas cientométricas sobre a Covid-19”, com a primeira edição em maio e o segundo encontro ocorrendo em setembro, com planos para novas edições. Os webinários reuniram uma média de 200 pessoas, entre acadêmicos, pesquisadores em início de carreira e o público leigo.
Na entrevista a seguir, Costas compartilha alguns insights sobre o tema, provenientes de sua pesquisa e conhecimento pessoal da área, e revela detalhes sobre os webinários e o que podemos esperar das próximas edições do evento.
InSysPo: Antes de mais nada, conte-nos mais sobre a sua pesquisa no CWTS. Quais são suas temáticas de pesquisa no momento?
Rodrigo Costas: Minha pesquisa se volta especialmente para a cientometria ou estudos quantitativos da ciência. Investigo dois tópicos em especial, embora reconheça que eles próprios sejam, talvez, bastante amplos. Por um lado, estudo cientometricamente pesquisadores individuais, dando a entender com isso o processo de análise de equipes de pesquisadores ou grupos de colaboração. Recentemente desenvolvemos alguns estudos de mobilidade, captando em publicações científicas as mudanças nas filiações acadêmicas de pesquisadores. Essa é uma nova linha de pesquisa muito interessante. E o outro tipo de pesquisa é a altmetrics, que eu chamo cada vez mais de métricas de redes sociais ou estudos da ciência a partir de redes sociais, porque, essencialmente, o que queremos pesquisar são as interações entre ciência e cientistas com a sociedade e o público em geral, que podem ser capturadas e rastreadas em plataformas de redes sociais.
InSysPo: Você escolhe uma rede social específica em vista como, por exemplo, Twitter ou Facebook, ou investiga redes sociais em geral?
RC: De um ponto de vista conceitual, tomamos por rede social um ambiente onde acadêmicos e não acadêmicos podem interagir de múltiplas maneiras, algo que não acontecia antes. A pesquisa bibliométrica mais tradicional não tinha um componente de interação tão forte, então agora com a altmetrics temos a oportunidade de estudar este novo espaço de interação entre ciência e sociedade. É claro que, embora analisemos as mídias sociais em geral, no final só podemos estudar as fontes que permitem acesso à algumas ferramentas de análise de dados, como APIs (Application Programming Interfaces), por isso o Twitter é uma de nossas principais fontes. O que fazemos é identificar quando um cientista envia uma mensagem para o mundo, dizendo: “Ok, temos este artigo”. Como esse trabalho pode ser bem sucedido? Como essa mensagem pode chegar às pessoas e informar as comunidades da melhor maneira possível? Então, este é o tipo de indicadores que estamos começando a conceituar.
InSysPo: A comunicação científica se tornou ainda mais relevante durante a pandemia, especialmente com a enorme quantidade de informações, muitas não confiáveis, circulando nas mídias sociais. Quais são, na sua opinião, os impactos da pandemia na comunicação científica? Você acha que ela ofereceu uma chance de reparar a lacuna entre os cientistas e a sociedade ou essa lacuna ficou ainda maior?
RC: Essa é uma pergunta complexa que não possui uma resposta simples. Algumas pesquisas mostram um aumento no número de especialistas interagindo nas redes sociais, algo demonstrado pelo meu colega Giovanni Colavizza. Em nosso trabalho, vimos, como apresentei no webinário, um aumento significativo na atenção recebida por parte de publicações científicas relacionadas à pandemia. Falo de dados realmente impressionantes, em comparação com o que normalmente vemos em nossas pesquisas altmétricas. Só para você ter ideia, geralmente quando analisamos um tópico científico específico, vemos algo em torno de 30% a 40% dos trabalhos publicados sobre aquele assunto recebendo alguma atenção ou menção no Twitter. Este ano, o percentual chegou a 60%. Isso é muito alto. Posso afirmar que mais da metade de todos os artigos sobre a Covid-19 recebeu alguma menção, foi alvo de alguma discussão no Twitter, pelo menos com os dados que temos a partir do final de junho.
InSysPo: Falando sobre os webinários, como você e seus colegas do CWTS chegaram à ideia de organizar tais eventos? Quais foram os objetivos no início? Você sente que eles foram alcançados?
RC: Quando a pandemia começou, alguns de nós começamos a pensar: “muito bem, temos a chance de realizar algumas investigações sobre a recepção da pesquisa científica nas redes sociais”. Essa foi uma das reações mais imediatas que tivemos. Novos temas de pesquisa floresceram durante a pandemia e fazer pesquisa cientométrica sobre esses temas é algo que leva algum tempo. A reação nas redes sociais, por outro lado, foi algo mais imediato. A partir daí, começamos a pensar em como coletar dados, como iniciar a primeira análise, o primeiro painel de controle e assim por diante. Nesse contexto, trouxemos essa discussão para outros colegas aqui no CWTS e depois montamos este programa. Tentamos coordená-lo para que as pessoas que estavam pesquisando instituições financiadoras da pesquisa científica, revisão por pares e outros tópicos pudessem ter um espaço para compartilhar seus resultados, impressões e interagir umas com as outras. A partir daí tudo começou a ter uma certa coesão. Inicialmente, tivemos essas discussões a cada quinze dias, a fim de acompanhar a pesquisa feita durante e sobre a pandemia. Até que surgiu esse pensamento em uma dessas reuniões: “bem, por que não fazer um webinário?”
InSysPo: Bom, é um tema tão recente e que está mexendo com o mundo todo, creio que as pessoas se identificam com este tipo de pesquisa também a um nível muito pessoal e acho que você e seus colegas construíram o ambiente perfeito para conectar essas pessoas.
RC: É verdade. Uma das apresentações no webinário foi sobre esta expansão do entendimento epistêmico do que é a pesquisa sobre Covid-19 e eu acho que este é um grande exemplo. Nós somos cientistas sociais, cientistas de dados e, basicamente, estamos nos perguntando: “o que podemos fazer? Como podemos contribuir da nossa parte”? É claro que não estamos desenvolvendo a vacina, mas pelo menos podemos criar ferramentas, sistemas de monitoramento, que auxiliem na compreensão da situação. Afinal, o que são as pesquisas? Quais são os temas que estão sendo discutidos? Tomemos, por exemplo, o painel de controle que apresentei no webinário. Quando o desenvolvemos, estávamos pensando em alcançar jornalistas e produtores de conteúdo. “Quais são os tópicos que estão sendo tweetados e sobre os quais nenhum jornalista está falando?” ou “quais são os tópicos que têm recebido ampla atenção no Twitter, mas que não apresentam citações, apontando para uma distorção entre a recepção do assunto na rede social e a recepção acadêmica?” Isso é algo que pode ajudar as pessoas. Você pode não responder a todas as perguntas, mas pode responder as mais específicas ou pelo menos dar o primeiro passo nessa direção.
InSysPo: Outra questão diz respeito às colaborações internacionais. De um ponto de vista cientométrico, como você vê o impacto da pandemia sobre o resultado de grupos internacionais de pesquisa?
RC: Bem, existe aí a questão geral, que eu posso responder com minha opinião, e o problema de pesquisa mais específico. Em relação à segunda, como eu disse antes, mais dados devem chegar dentro de alguns meses para ver como as equipes de pesquisa têm colaborado. Um problema de pesquisa é: “os grupos internacionais de pesquisa continuam produzindo no mesmo ritmo durante a pandemia? Houve uma queda? Ou talvez um aumento porque viajamos menos e supostamente temos mais tempo para trabalhar”? É algo que parece interessante de explorar no futuro, ver como a crise global tem efeitos diferentes no sistema científico, uma vez que a colaboração e a interdisciplinaridade são tópicos-chave. Respondendo mais como um pesquisador, pela minha experiência pessoal, eu diria que a falta de contato físico tem efeitos sobre mim, porque embora eu continue trabalhando, no meu caso um trabalho um pouco mais solitário, os contratempos da falta de interação física seguem aparecendo. Eu tive encontros como este [esta entrevista aconteceu virtualmente] no passado, colaborei com pessoas da África do Sul, Brasil, China etc. Quando você viaja e tem o espaço físico, você entra em uma dinâmica onde você se concentra mais nos tópicos de sua colaboração. Mesmo que a produção continue fluindo, acredito que se não tirarmos algo disso [da pandemia], pode ter algum efeito a ponto de as equipes continuarem colaborando, mas trabalharem mais em um paradigma individual. Portanto, a colaboração pode ser um pouco diluída. Creio que o espaço físico, a relação presencial com seus colegas, tem efeitos positivos sobre o trabalho científico.
InSysPo: Estamos falando de ciência nos tempos da Covid-19, mas torcemos para que estes tempos cheguem ao fim o quanto antes. Que mudanças você acha que vieram para ficar? Que impactos da pandemia na atividade de pesquisa você vê permanecendo por um longo tempo?
RC: O que eu gostaria que permanecesse é essa noção de descentralização, ao menos as coisas boas da descentralização. Seria muito bom se pudéssemos viajar mais e ter interações físicas, mas ainda manter nossas atividades, nosso trabalho original, remotamente. Digamos que eu viaje para o Brasil por um mês, nesse cenário eu ainda continuaria realizando as atividades aqui do meu departamento. Portanto, esse desenraizamento é uma consequência que espero que permaneça.
InSysPo: Quanto ao seu campo de pesquisa, a cientometria, qual foi o impacto da pandemia na práxis do campo? Houve alguma mudança nas métricas ou na maneira em que elas operam?
RC: Não acredito que houve uma mudança na métrica propriamente dita, todavia mais naquilo que queremos medir. Nesse sentido, um dos pontos em meu webinário foi que, se nossas métricas até agora eram interessantes porque permitiam que víssemos diferentes tipos de impacto, elas estão se movendo agora para capturar interações, o que é algo mais importante. Estamos fazendo pesquisas para resolver um problema que é imediato, e as pessoas estão ansiosas por isso, basta olhar a enorme movimentação em torno das publicações. Ter novas métricas para monitorar se as interações estão acontecendo da melhor maneira é, em minha opinião, muito mais importante agora do que antes. A comunicação científica era importante antes, mas agora você sente sua crescente relevância porque deseja que as pessoas entendam por que elas têm de usar máscaras ou lavar as mãos. Portanto, este tipo de métrica de pesquisa se tornou mais relevante. Em relação aos tipos mais tradicionais de métrica, penso que alguns dos estudos recentes, como, por exemplo, os estudos de gênero mostrando como a quantidade de mulheres participando dos esforços científicos é reduzida, algo que aponta para problemas de natureza estrutural, também são importantes. Afinal, os formuladores de políticas públicas precisam estar cientes de tais situações. Todas as métricas sobre o tempo de publicação, sobre como podemos facilitar esse processo e alcançar resultados mais efetivos em um tempo mais curto, também ganharão importância em comparação a antes. Isso inclui números sobre os papéis das pré-impressões [versão final de textos não publicados] porque a questão era: “podemos confiar nesta pesquisa? Não foi revisada por pares”. Portanto, agora existem outras maneiras de acelerar esse processo de revisão. Outro tópico é como delineamos o tema “o que é Covid-19?”. A forma como a Covid-19 se relaciona com a pesquisa não está circunscrita apenas ao vírus, mas também às consequências sociais, econômicas e políticas. Mesmo as perguntas que você está me fazendo [nesta entrevista] estão relacionadas à pandemia, sem ser estritamente sobre o vírus. Portanto, os números sobre estas perguntas se tornaram mais relevantes do que nunca.
InSysPo: Finalmente, eu sei que você e seus colegas não pararam na segunda edição. Então, o que podemos esperar de futuros webinários?
RC: Bem, eu ainda não falei com meus colegas acerca do último webinário ou sobre a próxima edição. Em essência, nós queríamos ter mais pessoas da comunidade interessadas em manter estes eventos. No início, tínhamos apenas o CWTS, agora temos outras instituições relacionadas ao CWTS. Idealmente, entretanto, teríamos mais pessoas engajadas em desenvolvê-los. Também pretendemos expandir os tópicos. Por isso, planejamos continuar as reuniões. Ainda tenho que falar com meus colegas, mas a ideia é mantê-los, expandir os tópicos e ter mais pessoas participando da organização dos webinários. Ainda não temos uma data para a próxima edição.
Para mais informações sobre os webinários e anúncios relativos às próximas edições, acesse: https://www.cwts.nl/events
Por Guilherme Cavalcante Silva, colaborador do Portal pelo Projeto InSysPo