Economia criativa em Campinas

Novas relações de trabalho, produção e consumo. Por Adriana Menezes

Festival SoulLocal, na Estação Cis-Guanabara em 2018. Crédito: Ricardo Lilika

Além do fato de todas terem nascido em Campinas, iniciativas empreendedoras aparentemente desconexas como a Galinha Pintadinha, o aplicativo IFood, joias de madeira e extratos de plantas têm ainda em comum a classificação de economia criativa, onde o insumo primário vem da criatividade, da cultura e do capital intelectual. Não existem indicadores precisos sobre quanto capital a economia criativa movimenta em Campinas, mas já se tornou irrefutável que a cidade é dotada de um ecossistema favorável ao desenvolvimento desta área, impulsionada nos últimos anos pelas transformações radicais no trabalho, pelo desemprego e pela falta de perspectiva de emprego formal. No entanto, apesar de toda a reviravolta no mercado, ainda não foram criadas políticas públicas que garantam o suporte necessário para criar e inovar. 

Paradoxalmente, o conceito de economia criativa nasceu de uma proposta de política pública na Austrália, em 1994, onde a ideia central era que a “cultura gera riqueza”. Mas quem se encarregou de imprimir o termo foi o britânico John Howkins, quando lançou seu livro “Economia criativa – como ganhar dinheiro com ideias criativas”, que se tornou best-seller em 2001 e foi lançado no Brasil somente em 2012.

Segundo a economista Maria Cecília Campos, assessora do Departamento de Desenvolvimento Econômico da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Social e de Turismo da Prefeitura de Campinas, há um empenho hoje na secretaria para reunir dados para medir o impacto da economia criativa na cidade. “Provavelmente ainda esse ano teremos esse levantamento”, disse. Mesmo sem números desse setor específicos da cidade de Campinas, dados nacionais e estaduais divulgados pela Firjan (Federação da Indústria do Rio de Janeiro) confirmam que as iniciativas de economia criativa, mesmo com a crise, continuaram crescendo. “Elas representam inclusive uma saída para o desemprego”, aponta a assessora.

Há cerca de 851,2 mil trabalhadores criativos no país (1,8% do total de empregos formais), 328 mil em São Paulo e 99 mil no Rio de Janeiro, aponta o relatório da Firjan, que se refere ao setor como indústria criativa. No período de 2013 a 2015, o mapeamento nacional da instituição revela que o número de profissionais criativos no país cresceu 0,1%, enquanto no mercado de trabalho comum houve uma retração de -1,8%. Em São Paulo, o crescimento no número de empregos foi de 0,8% (tabela acima), enquanto o total de empregos no mercado de trabalho teve queda de -2,3% no estado.

A participação do PIB criativo no PIB brasileiro também cresceu, passando de 2,56% para 2,64%. Como resultado, a área criativa gerou uma riqueza de R$ 155,6 bilhões para a economia brasileira em 2015, dos quais R$ 73,5 bilhões (47,2%) se concentraram em São Paulo. No estado, houve um aumento de 2% na participação do PIB criativo no PIB paulista, entre 2013 e 2015. De tudo que se produz em São Paulo, 3,9% é gerado pela economia criativa – entre os estados, esta é a maior participação do PIB criativo na economia.

A análise do relatório aponta Campinas como destaque estadual, juntamente com São José dos Campos, o que provavelmente se deve à concentração de institutos de pesquisa e universidades em ambas. Depois da capital, São José dos Campos (4,3%) e Campinas (3,2%) têm maiores percentuais de empregos criativos, números que superam a média estadual (2,4%). Na capital, metade dos talentos criativos da cidade estão atuando na área de P&D (55,3%), característica que se repete nas duas cidades do interior.

Conceito em construção – Segundo Maria Cecília, apesar de não ser novo, o conceito de economia criativa ainda está em construção: “Muitos olham equivocadamente pensando que ela inclui somente artesanato, mas envolve publicidade, design, gastronomia, ciência e tecnologia, teatro, música e a fabricação de cervejas artesanais, por exemplo”. De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), o termo é referente “não apenas a bens e serviços culturais, mas também a brinquedos e jogos e todo domínio da pesquisa e desenvolvimento (Research & Development)”. Para o Sebrae, o setor se divide em quatro grupos – tecnologia, consumo, mídia e cultura -, que se subdividem em 13 segmentos: arquitetura, artes cênicas, audiovisual, biotecnologia, design, editorial, expressões culturais, moda, música, patrimônio e artes, pesquisa & desenvolvimento, publicidade e TIC. “Na verdade, não existe apenas uma metodologia única, cada país identifica quais são seus setores criativos, até porque há também muita subjetividade nesta área. O que funciona no Reino Unido, por exemplo, onde o conceito está mais amadurecido por conta da criação de políticas públicas, pode não funcionar aqui”, explica Maria Cecília. Na opinião há um grande potencial de crescimento na economia criativa um grande potencial de crescimento, já que as perspectivas são de que, em 20 anos, 50% dos postos de trabalho que existem hoje deixarão de existir.

Para Eliane El Badouy, coordenadora da pós-graduação em economia criativa da Inova Business School, criada em 2018, em Campinas, a região tem tudo para ser um polo de economia criativa. “Estamos ainda aprendendo a medir o valor econômico e o impacto social e cultural desta economia porque ela se organiza de uma forma diferente da economia clássica”, explica Eliane. “Aqui existem hubs que viabilizam conexões, temos um polo tecnológico e um ambiente propícios à cultura, além de pessoas com boas ideias. Não é a economia que é criativa, mas as pessoas. O que precisa haver é o estímulo de políticas públicas que deem o respaldo ao empreendedorismo. Tem gente que tem talento, mas não tem tino empresarial. Então é preciso facilitar, desburocratizar o ambiente e qualificar e as pessoas”, conclui Eliane.

Campinas criativa – Uma mostra do potencial da economia criativa em Campinas aconteceu em 2018, o SoulLocal Festival, realizado em Campinas nos dias 1 e 2 de dezembro de 2018, no CIS Guanabara, Centro Cultural de Inclusão e Integração Social, administrado pela Unicamp. O evento teve o apoio tanto da Unicamp (pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários) quanto da Prefeitura (por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Social e de Turismo), mas a iniciativa da realização partiu dos profissionais da área de turismo, Laura Umbelina Santi e Paulo Biafora, que idealizaram o evento inspirados em formatos que conheceram fora do país. O SoulLocal, cujo nome faz referência ao verbo “ser” e à palavra de língua inglesa “soul” (alma), reuniu em dois dias mais de 45 expositores, mais de 15 atrações culturais e artísticas, 16 palestras, além de oficinas e opções de comidas e bebidas. A participação era restrita a produtos e serviços locais ou regionais, que fossem artesanais, e/ou criativos e/ou inovadores, ou seja, era um encontro de economia criativa. Os expositores também tiveram oportunidade, nos dois meses que antecederam o evento, de participar de oficinas de empreendedorismo do Sebrae, que deram o suporte aos empreendedores que ainda não tinham tido a oportunidade da capacitação.

Paulo e Laura, organizadores do Festival SoulLocal. Crédito: Ricardo Lilika

Segundo Paulo, o festival teve cerca de três mil visitantes nos dois dias. Os organizadores não têm uma estimativa da movimentação financeira porque os expositores tiveram autonomia em suas vendas e negócios, mas a partir da solicitação dos participantes de uma nova edição, a percepção é de que o festival teve sucesso comercial. “Nós vimos que há muito potencial na região de economia criativa”, afirmou. A segunda edição do festival já foi confirmada e, segundo os organizadores, haverá também um festival itinerante em algumas cidades da região.

A expositora Vilene Braga fala com convicção que o SoulLocal Festival foi um divisor de águas em sua vida. Doutora em engenharia de alimentos pela Unicamp, Vilene ficou desempregada há cerca de um ano. “Eu trabalhava com pesquisa e desenvolvimento de produtos numa multinacional, e sempre gostei de criação e inovação. Quando fiquei desempregada, juntei minha experiência à minha paixão por plantas. Comecei a fazer extratos para a família e os amigos, até que enxerguei a possibilidade de um negócio”, conta Vilene, que, antes de abrir a empresa Erva Zen, buscou mais informações na CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral) e na Unicamp, junto ao Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), onde também adquiriu mudas de plantas medicinais. “Entrevistei farmacêuticos, visitei o Sebrae e cultivei plantas em um terreno emprestado”, lembra. Antes do festival, desenvolveu novos produtos, como um tônico capilar, e participou das capacitações. “Foi um sucesso de vendas. Sem falar da repercussão e da alegria de ver as pessoas acreditando em algo que eu desenvolvi, plantei e colhi”, conta emocionada. Para a engenheira de alimentos, a economia criativa proporciona uma relação diferente com o fazer, com o produto e com o dinheiro. “Eu estava acostumada à carteira assinada e à competitividade corporativa, mas neste novo processo forma-se uma rede colaborativa, onde não é apenas o comércio, mas envolve o conhecimento e o relacionamento”, conclui Vilene.

Vilene Braga, criou a empresa Erva Zen. Crédito: Ricardo Lilika

Desafios – Foi também o capital intelectual que fez Gerson Augusto criar uma linha de joias artesanais em madeira. A marca GersonAisthesis nasceu depois de um longo percurso, que teve início aos 17 anos quando Gerson começou a trabalhar com madeira. Somente agora, cerca de 40 anos depois, em dezembro de 2018, ele abriu sua loja no bairro Cambuí, em Campinas, junto com sua mulher Elisabete Cristina Scarton. Apesar de já ter seu trabalho reconhecido e comercializar suas peças em locais restritos a produtos de arte, como as lojas dos museus do Instituto Tomie Ohtake e da Casa da Cultura Brasileira, ambas em São Paulo, Gerson não tinha total autonomia sobre os preços de suas peças. Com a própria loja, ele finalmente tem esta liberdade. Mas até poder empreender na economia criativa, o casal diz que passou por diversas dificuldades. “Em alguns lugares não nos pagavam as peças ou as devolviam quebradas, faziam cópias, ou nos exploravam no percentual de venda, nos forçando a baixar o preço”, lembra Elisabete. Ela se juntou a ele no negócio e começaram a participar de feiras e fazer cursos de capacitação no Sebrae.

Além das lojas dos museus, também vendem em uma loja no Distrito de Barão Geraldo. Mas comemoram agora poder vender diretamente ao consumidor. “Esse contato direto é fundamental, onde você pode contar a história da peça e passar o conceito da joia, que é feita para quem valoriza a matéria orgânica e o trabalho artístico. É diferente de você simplesmente deixar seu trabalho num espaço. Não tem a mesma vida”, diz Elisabete. Hoje as peças GersonAisthesis são catalogadas e registradas, para garantir o direito autoral e têm certificação do Selo Verde Ecolmeia, devido à procedência da matéria-prima: madeira de lei (como jacarandá e peroba rosa) que vem da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp; fios de algodão; além de não utilizar nenhum metal ou material de procedência animal, nem matéria que cause danos à natureza.

Bolsa e acessórios da Aisthesis. Crédito: Divulgação

Ecossistema favorável – A presença da CATI e da Unicamp fizeram toda a diferença na iniciativa empreendedora e inovadora de Vilene Braga. Ambas fazem parte do ecossistema local favorável à economia criativa. Esse ambiente inclui importantes centros de pesquisa como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Unicamp, por exemplo. Diversas empresas nascidas na universidade se lançaram no mercado internacional. Um exemplo é a Movile, empresa que criou os aplicativos iFood e PlayKids. Quando o ex-aluno da Unicamp, Fabrício Bloisi, criou a startup, em 1998, não fazia ideia de que atingiria US$ 1 bilhão de valor de mercado ou que chegaria a ter mais de 1,6 mil funcionários, espalhados pelo mundo. Mas quando o estudante baiano escolheu a Unicamp, já tinha em mente que era um ambiente adequado aos seus sonhos.

A criatividade também deu origem a uma personagem que conquistou crianças em diversas línguas: a Galinha Pintadinha. A personagem criada pelos produtores Juliano Prado e Marcos Luporini, em Campinas, já foi gravada em alemão, francês, italiano e até mandarim, e se transformou em um sucesso estrondoso. A dona da voz em português, Vera Fuzaro, que trabalhava na agência de publicidade MSG Áudio Design junto com os dois colegas, lembra que quando compartilhou com Marcos a sua inquietação, há cerca de 15 anos, de ver crianças cantarem e dançarem músicas de adultos, em vez de conhecerem o cancioneiro nacional, ele criou um arranjo para a música infantil da Galinha Pintadinha. Para produzirem os clipes, eles registraram os personagens e recorreram ao Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (FICC). Quando foram apresentar o projeto a um potencial cliente, colocaram os clipes no Youtube, mas o cliente demorou a responder. O retorno do público, no entanto, foi imediato. A partir daí a Galinha não parou de ganhar mais público, logo fez contrato com gravadora para o primeiro DVD e continua sua carreira nacional e internacional.

Saiba mais em:

“Número de profissionais criativos cresce mesmo no período de crise, revela Firjan”, disponível em: https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/pages/release.aspx.

Mapeamento da Indústria Criativa do Brasil 2016, disponível em: www.firjan.com.br/economiacriativa.