Empreendedorismo feminino é tema de roda de conversa

Evento aconteceu em Barão Geraldo e fez parte das atividades do Campinas Innovation Festival 2019. Por Paula Penedo P. de Carvalho

Da esquerda para a direita: Renata Dias do Nascimento, Lindineide da Silva, Cris Ferrari, Fernanda Moreno e Carla Falcão. Crédito: Paula Penedo

Ter um negócio próprio pode trazer uma série de vantagens como flexibilidade de horários, a possibilidade de trabalhar em casa e autonomia na hora de tomar uma decisão. Ao mesmo tempo, empreender também tem seus aspectos desafiadores, como a insegurança financeira e o peso da responsabilidade sobre o negócio e gestão dos funcionários. E quando são mulheres empreendendo, elas ainda têm que lidar com problemas específicos, como conciliar o trabalho com as responsabilidades domésticas, a falta de representatividade e até mesmo discriminação.

Mas apesar dessas dificuldades, no Brasil, o número de mulheres empreendedoras vem aumentando ao longo dos anos. De acordo com dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em 2017, 24 milhões de mulheres trabalhavam como autônomas no país, enquanto o número de homens com o próprio negócio chegava a 25,5 milhões.

Esse crescente número de mulheres gera benefícios que vão além da visibilidade feminina. Segundo Cris Ferrari, facilitadora no desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres, as empreendedoras costumam ter uma atuação mais humanizada, buscando trabalhos que tenham significado e que façam diferença na vida das outras pessoas. Para ela, isso é importante porque ajuda a construir um modelo diferente de empreender “Se a gente só seguir o que já existe, que é o modelo de sucesso masculino, não vai mudar nada. Quantas vezes eu já vi lideranças femininas maltratando outras mulheres, impedindo a amamentação, por exemplo. Eu vou imitar esse modelo?”, questiona.

Cris é idealizadora do De Saia, uma rede que conecta mulheres empreendedoras e promove workshops e encontros em Campinas para que elas possam estudar temas relativos ao empreendedorismo e aperfeiçoar a postura na hora da venda. Ela foi convidada para uma roda de conversa sobre empreendedorismo feminino que ocorreu semana passada em Barão Geraldo como parte do Campinas Innovation Festival 2019, que está sendo realizado neste mês de outubro.

Para participar da discussão, Cris convidou cinco empreendedoras de Campinas que contaram um pouco sobre suas experiências e desafios, além de darem dicas e sugestões para as mulheres presentes no encontro. Nos relatos, foi possível perceber que a maternidade é um fator importante no processo de empreender feminino, já que em muitas ocasiões elas decidem abrir o próprio negócio depois que o filho nasce, para ter mais tempo disponível.

Mas apesar do que pode parecer, Cris explica que esse não é um cenário romântico. Muitas das mulheres abrem o próprio negócio por falta de opção, ao serem demitidas e não conseguirem novos empregos por causa dos filhos. Além disso, por existir uma sobrecarga muito grande em cima delas em relação ao trabalho doméstico, as mulheres têm que lidar com a frustração de não conseguir se dedicar o quanto gostariam ao novo negócio. “Muitas buscam o empreendedorismo para ter mais liberdade e flexibilidade de tempo, mas a verdade é que para fazer um negócio crescer, ele precisa de tanta dedicação quanto um filho. Quando a criança cresce isso fica um pouco mais leve, mas até a gente descobrir se esse é realmente o caminho, o que dá certo e o que não dá, com a falta de tempo que a gente achou que fosse ter com as duas coisas, é um processo de muita redescoberta”, esclarece.

Esse foi o caso de Carla Falcão. Embora já fosse autônoma quando virou mãe, fornecendo treinamento em LinkedIn, Carla perdeu todos os contatos de trabalho, inclusive os firmados com outras mulheres, depois que o filho nasceu. “Foi quando eu percebi que empreender é complexo, mas sendo mãe, é mais complexo ainda”. Hoje Carla é dona da rede Social Moms, destinadas a mães influenciadoras digitais, e conta que um dos seus principais aprendizados foi estar aberta às transformações, uma vez que o modelo de negócio inicialmente desenhado pode não ser aquilo que o cliente deseja. “Como lidar com essa frustração quando você tem algo tão sonhado e idealizado na sua mente, mas pela qual o mercado não paga? A gente precisa às vezes desapegar um pouco daquele formato inicial para transformar esse negócio em algo que seja importante para o outro”, acredita.

Sustentabilidade do negócio – Outro desafio do empreendedorismo está relacionado ao tempo necessário para que haja um retorno financeiro que torne o empreendimento realmente sustentável. Muitas pessoas não podem esperar o negócio amadurecer e crescer porque têm a necessidade primária do dinheiro, especialmente quando se trata de iniciativas de base social, e, em muitas ocasiões, os primeiros resultados levam anos para aparecer.

As costureiras Lindineide da Silva e Renata Dias do Nascimento, moradoras do Jardim Bassoli, são responsáveis pelo projeto Reciclista, que transforma materiais doados pelos Correios em bolsas e acessórios para ciclistas, com o apoio da Fundação FEAC. Elas contaram que ainda não tiveram retorno financeiro, pois são apenas três mulheres para lidar com mais de 800kg de materiais doados e que precisam ser selecionados, lavados e reciclados de maneira única e individual.

Uma consequência dessa falta de dinheiro é que elas também não têm como pagar o aluguel de um lugar para armazenar esse material e por isso eles estão sendo guardados dentro dos próprios apartamentos das costureiras. Apesar disso, Renata tem uma visão positiva do futuro. “A gente sabe que daqui a algum tempo vai ter um retorno. A gente não quer olhar só para as dificuldades, mas para as nossas qualidades, para o que a gente está aprendendo. Temos que pensar no nosso futuro”, explica.

Limitações externas e motivação – Danielle Batacchio, dona do Espaço Goma: Arte e Cultura, onde aconteceu a roda de conversa, criticou as empreendedoras da região de Campinas, que têm dificuldade em revelar as limitações externas que impedem o crescimento de suas iniciativas. Para ela, muitas mulheres parecem ter vergonha de admitir a realidade de seus negócios, como a falta de clientes, e por isso falam somente de questões internas como cansaço e motivação, enquanto os homens tendem a ser mais objetivos nesse sentido.

Carla Falcão concorda, afirmando ser preciso aprender com o formato mais racional “masculino” de olhar para os resultados como parte do processo. “Fecha a conta no final do mês? É sustentável? Como você vai se manter com isso? E a gente precisa se capacitar para isso, circular em outras rodas, entender que a dor do empreendedor, independentemente de ser mulher ou mãe, é a mesma”.

Já a psicoterapeuta Fernanda Moreno, sócia diretora da TAEDDA Desenvolvimento Humano, complementou, afirmando que muitas mulheres sentem que precisam estar motivadas para fazer o negócio acontecer. Mas, se elas forem esperar esse momento de inspiração, elas nunca saem do lugar. “E como a gente quebra esse sistema? Eu vou me motivar, para agir, para ter resultado? Não, eu vou agir, para ter resultado, para me motivar. Se eu tenho resultado, eu me motivo”, garante.

Valorização do trabalho – Outra limitação é a vergonha e até mesmo culpa que muitas mulheres sentem em precificar seu trabalho e cobrar pelo negócio. Isso aconteceu com a cabeleireira colorista Gloria Moreno. Como é autodidata, Gloria não possui os cursos que a maioria das profissionais da área têm e por isso sente que está cobrando um preço muito alto pelo seu serviço.

As empreendedoras convidadas aconselharam Gloria a criar um mapa de referências, com dados sobre o quanto os seus pares cobram e quais são o piso e o teto da categoria. Outra sugestão feita por elas foi contabilizar gastos concretos, como consumo de água, luz e material, para determinar quanto custou aquele trabalho. Além disso, elas indicaram prestar atenção na resposta dos próprios clientes e o quanto eles estão dispostos a pagar, sugerindo que se comece por um valor mais baixo e depois vá aumentando gradativamente.

A consultora do Reciclista, Renata Mendes, que trabalha com fomento ao empreendedorismo com projetos de geração de trabalho e renda, chamou atenção para a armadilha que esse medo de cobrar pode gerar. “Como eu trabalho muito com terceiro setor, é comum acharem que eu preciso doar o meu trabalho. Até porque eu sou muito apaixonada pelo que eu faço e quando, você é apaixonada, é fácil trabalhar sem receber”, alerta.

Por isso, Fernanda sugeriu que as profissionais tenham em mente duas condições na hora de considerar fornecer trabalho de graça: ou elas fazem para quem estiver precisando, como um trabalho social, ou elas desenvolvem uma parceria estratégica, para que as pessoas conheçam seu produto. “Não há problema em fazer de graça, desde que você saiba por que você está fazendo. Mas o primeiro ponto é ter confiança. A partir do momento que você valoriza a sua entrega, você não tem receio de determinar o seu valor”, finaliza.

Por Paula Penedo P. de Carvalho