A troca de conhecimento e experiência com pesquisadores de outros países é uma prática essencial para o desenvolvimento de uma ciência e inovação globalizada e de alto impacto, que coloque o Brasil no centro da produção científica mundial. Por outro lado, promover esse tipo de cooperação internacional é uma tarefa complexa, que exige muito trabalho em equipe, coordenação de agendas e atendimento a regras e regulamentações que variam de acordo com a instituição.
Pensando em facilitar esse processo, Brasil e União Europeia desenvolveram entre 2016 e 2019 o projeto INCOBRA, por meio de um consórcio formado por 14 instituições de pesquisa interessadas em promover e ampliar a colaboração em ciência, tecnologia e inovação. O objetivo do INCOBRA foi identificar gargalos e propor soluções para fortalecer, aprimorar e ampliar a cooperação entre os atores dos sistemas de CT&I dessas duas regiões, com a meta de induzir mudanças institucionais. O consórcio foi financiado pelo Horizonte 2020, o maior programa de pesquisa e inovação da União Europeia e contou com a participação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
De acordo com o coordenador do projeto na Unicamp, o professor Sérgio Queiroz do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), o INCOBRA serviu para inserir a cooperação internacional na agenda de atores que até aquele momento não estavam prestando atenção ao assunto. “Porque uma coisa é você achar abstratamente que precisa ter cooperação, outra é praticar. Então foi uma boa oportunidade para isso, não somente para os atores que estiveram diretamente envolvidos no INCOBRA, mas também para aqueles que foram mobilizados no processo”. Queiroz ainda chama atenção para o fato de que a participação da Unicamp no INCOBRA aconteceu, em grande medida, por causa do envolvimento do professor Nicholas Vonortas, da George Washington University. Vonortas é pesquisador do DPCT por meio do programa São Paulo Excellence Chair (SPEC), da Fapesp. Foi ele quem chamou a atenção para o fato de que a União Europeia havia aberto um edital de cooperação que estava sendo disputado por vários consórcios diferentes. A Unicamp entrou em contato com esses consórcios e conseguiu aderir a um que estava sendo coordenado pela Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), e que foi justamente o que venceu a disputa. “Então eu acho que isso é um ponto interessante de observar: este projeto é um projeto internacional no qual a Unicamp só tomou parte porque tem o SPEC, que envolve um pesquisador como o Nicholas Vonortas”, destaca.
Além da Unicamp e da SPI, também participaram do INCOBRA a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (ABPTI), o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Parque tecnológico Porto Digital (Recife), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a PUC do Rio Grande do Sul. Já na Comunidade Europeia, integraram o consórcio o Centre for Social Innovation da Áustria, o European Business and Innovation Centre Network da Bélgica, o Fraunhofer Institute for Systems and Innovation da Alemanha, o Spanish National Research Council, o Austrian Research Promotion Agency e o International Association of Science Parks and areas of Innovation da Espanha.
Prioridades – O INCOBRA foi dividido em vários “pacotes de trabalho”, que ficaram sob responsabilidade de cada uma das instituições envolvidas. A Unicamp, por exemplo, liderou um dos primeiros pacotes, que teve o objetivo de prospectar as áreas prioritárias de pesquisa para cooperação. Como resultado, foi definido que os tópicos de interesse para colaboração bilateral entre Brasil e União Europeia seriam energia verde; biorecursos; segurança alimentar e adaptação às mudanças climáticas; manufatura avançada e nanomateriais agrícolas; e cidades e sistemas inteligentes.
Essa atividade de prospecção, que durou dois anos, foi feita em conjunto com o Instituto Fraunhofer da Alemanha e partiu de um conjunto pré-definido de áreas que haviam sido eleitas como de interesse no âmbito do Horizonte 2020. Para chegar a esses temas, o Fraunhofer fez um levantamento de todas as publicações científicas e patentes que Brasil e União Europeia tinham em conjunto dentro das áreas determinadas, verificando quais eram os subtópicos mais abordados. Além disso, a instituição alemã realizou uma bateria de entrevistas com especialistas nessas áreas, enquanto na Unicamp foi feito um levantamento, coordenado pelo professor Sergio Salles-Filho (DPCT), sobre os principais tópicos de pesquisa de interesse em cada uma dessas áreas. Um último passo foi organizar reuniões em Campinas e em Frankfurt, nas quais compareceram mais de 80 especialistas para discutirem pessoalmente a relevância de cada um dos tópicos levantados.
Depois de definidas, essas áreas foram divididas entre cada instituição parceira do consórcio. A Unicamp, além de coordenar a atividade, também ficou responsável pela área de energia verde, que é uma das especialidades do professor Sérgio Salles. “Foi interessante porque têm algumas áreas, como biorecursos, que estão mais desenvolvidas na Europa, mas na área de energia verde o Brasil tem muito para contribuir, assim como na área de Tecnologias da Informação e Comunicação, relata Luciana Lenhari, gerente do INCOBRA na Unicamp.
Resultados e perspectivas – Outra atividade de destaque foi o financiamento e a mentoria de apoio a formação de novos consórcios para grupos de pesquisa conjunta dentro dessas áreas prioritárias, com a concessão de recursos para a realização de visitas bilaterais e workshops. “Foi uma coisa limitada porque o INCOBRA não é uma agência de financiamento, mas estava previsto no orçamento financiar algumas atividades de cooperação, então foi elaborado um edital, para o qual foram submetidas mais de 100 propostas e selecionadas cinco para serem apoiadas”, relata Sérgio Queiroz, que ainda explica que o INCOBRA forneceu serviços de consultoria a esses possíveis futuros consórcios, acompanhando os seus primeiros passos e guiando e aconselhando as atividades.
De forma geral, a maior parte das atividades desenvolvidas no INCOBRA esteve relacionada à organização de eventos para reunir os especialistas em um mesmo ambiente. A Fapesp, que se responsabilizou pela promoção de atividades envolvendo as agências de fomento brasileiras, também promoveu reuniões entre essas financiadoras e os Joint Programming Iniciatives (JPI), que são redes de colaboração inter-governamentais definidas pela Comissão Europeia. Segundo Luciana Lenhari, essas reuniões permitiram pela primeira vez que as agências discutissem os problemas e dificuldades de financiamento de acordos internacionais de cooperação.
Um desses entraves, por exemplo, era a falta de coordenação entre as datas e propostas das chamadas brasileiras e europeias, ainda que muitas das áreas de pesquisa do propósito dos editais fossem as mesmas. “Como resultado, um relatório técnico foi elaborado com um conjunto de recomendações políticas e de organização e gestão em pesquisa e inovação relacionadas à cooperação”, explica Luciana.
Embora o INCOBRA já esteja finalizado, espera-se que os resultados obtidos sejam aplicados em outros projetos de cooperação. Segundo Luciana, a rede de contatos criada nas reuniões e encontros abriu portas para conhecer novos especialistas e firmar outras parcerias. “Porque além dos contatos individuais que você estabelece em todas essas instituições para o desenvolvimento das tarefas, também tivemos muitas reuniões presenciais com pesquisadores de diferentes locais. E você conhecer pessoalmente facilita o acesso a informação, ou até de parcerias para um novo consórcio ou projetos de pesquisa em consórcio ou individuais”, comenta.
Além disso, várias das ações e recomendações propostas pelo projeto serviram de base para discussões e documentos preparados pelo CEBRABIC, que é considerado um projeto-irmão do INCOBRA. O CEBRABIC é um consórcio na área de inovação e negócios, também financiado pelo Horizonte 2020, e que tem o objetivo de criar um centro de cooperação para oferta de serviços, cursos e consultorias para ajudar os atores de ciência, tecnologia e inovação que queiram fazer novos projetos de cooperação.
Esse centro tem até o momento o nome de Enrich in Brasil, e é um projeto que está sendo implementado simultaneamente no Brasil, China e Estados Unidos, que são tidos como os principais colaboradores da União Europeia fora do bloco. Então a expectativa é que outros projetos de cooperação internacional ocorram no futuro. “O INCOBRA foi o primeiro, depois o CEBRABIC e também tem o Responsible Research Innovation (RRI), do Professor Marko Monteiro. Então a tendência vai ser sempre ampliar a cooperação internacional”, finaliza Sérgio Queiroz.
Por Paula Penedo P. de Carvalho