“Quando vocês vierem, vocês não terão nem mesa para sentar, não tenho nada para oferecer. Mas eu garanto que, quando estiverem aqui, vou conseguir dinheiro.” Com esse discurso, tão otimista quanto pretensioso, Zeferino Vaz, o fundador do que seria uma das melhores universidades da América Latina, iniciou na década de 1960 os esforços para trazer cientistas brasileiros, que haviam deixado o país para investir em pesquisas no exterior, de volta para a terra natal, para compor o núcleo fundador de um projeto promissor: a Universidade Estadual de Campinas.
Entre instalações improvisadas e a escassez de recursos, a Unicamp (ou UEC, como ficou conhecida na época), se desenvolveu e hoje, pouco mais de 50 anos após sua fundação, é considerada uma das melhores universidades da América Latina. Os detalhes dessa história inspiradora, que tem como plano de fundo o Golpe Militar de 1964 e envolve cientistas de renome como Sérgio Porto, Rogério Cerqueira Leite, José Ripper, Manoel Sobral Júnior e Rege Scarabucci, são contados no livro “Massa Crítica: a Unicamp e a origem do polo de tecnologia de Campinas”, de Guilherme Gorgulho.
O livro surgiu de uma iniciativa do professor Julio Hadler Neto, do Instituto de Física “Gleb Wataghin”, enquanto coordenador do Fórum Pensamento Estratégico (Penses), órgão que existiu no Gabinete do Reitor entre 2013 e 2017. Gorgulho conta, em entrevista ao Jornal da Unicamp, que trabalhava como jornalista do Penses quando recebeu a proposta de escrever sobre a história da Unicamp e do Polo de Tecnologia. O projeto do livro foi desenhado e iniciado em 2013 e a pesquisa começou a ganhar corpo com entrevistas e pesquisas.
Guilherme relata que seu trabalho deixou evidente que as estratégias de Zeferino e sua equipe foram essenciais para o desenvolvimento científico a nível nacional, já que foram responsáveis por reunir uma equipe excepcional de cientistas brasileiros que posteriormente seriam responsáveis por avanços inestimáveis para a ciência. Para o autor, o sucesso de Zeferino nessa empreitada se deve, em parte, ao modelo proposto para a Unicamp, que, embasado na vasta experiência que o fundador trazia, fugia da traição brasileira de criar universidades pela acumulação de cursos e unidades: “Zeferino Vaz era um acadêmico com ampla experiência na criação e consolidação de projetos institucionais na universidade, o que lhe conferia um status diferenciado e garantidor de sucesso”, diz Gorgulho. O livro “Massa Crítica” cita Marcello Damy, que participou ativamente dos primeiros anos da Universidade lado à Zeferino Vaz, o qual enfatiza que o desenrolar da história da Unicamp só foi possível devido “ao fato de sermos uma universidade nova, com estrutura talvez sem paralelo no país, e por não existirem proprietários de assuntos ou ramos de pesquisa”. Guilherme destaca ainda que o modelo da Unicamp favoreceu a entrada de professores e pesquisadores em seu início “pelo fato de não haver catedráticos com postos vitalícios na sua estrutura”. Esses três fatores, somados, foram fundamentais para que o corpo inicial de docentes e discentes fosse composto da maneira que foi.
O livro conta que os esforços de Zeferino Vaz para montar sua equipe não demoraram para render frutos, já que a recém-criada Universidade conquistara, em menos de duas décadas, confiança como um dos mais promissores projetos de desenvolvimento para a ciência e tecnologia nacionais. As boas relações de Zeferino Vaz com a cúpula da ditadura militar abriram muitas portas para o início da Universidade. Assim, quando pressões dos governantes para a nacionalização do setor de telecomunicações, baseadas no ideal nacionalista de parte do grupo de militares e civis que governavam o país durante a ditadura, foram aliadas à abundância de recursos financeiros advindos do “milagre econômico”, o projeto de designar à Unicamp a missão de desenvolver novas tecnologias de comunicação, mesmo sem um projeto bem delineado para esse fim, foi impulsionado, consolidando então a Universidade como um berço para o desenvolvimento tecnológico nacional.
O sucesso da Unicamp contribuiu principalmente para o desenvolvimento da região de Campinas, onde suas instalações passaram a ser construídas. O corpo de pesquisadores e alunos de alto escalão contribuiu com a construção e consolidação de empresas como a ABC-Xtal, a Elebra e a Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec), o Centro Tecnológico para Informática (CTI), a Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia (Ciatec) e o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). A partir dessa base, outras instituições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico foram criadas e empresas foram atraídas para constituir um Polo de Tecnologia, que resultou na criação de produtos com produção nacional, de forma que, hoje, Gorgulho enfatiza que “A Unicamp é uma das universidades brasileiras que mais gera patentes e que mais interage com a indústria, em um processo que foi se consolidando desde o final dos anos 1960”. Além disso, milhares de profissionais formados na universidade atuam em empresas de grande porte, governo e organizações sociais.
Em cinco décadas, a Unicamp formou mais de 65 mil jovens profissionais em seus cursos de graduação. Hoje, a Universidade conta com 34 mil alunos matriculados em 66 cursos de graduação e 153 programas de pós-graduação, que contribuem grandemente para a pesquisa, ensino e extensão no Brasil. Apesar desse cenário admirável, a jovem Universidade não escapa de uma ameaça nacional de enfraquecimento do ensino e extinção de agências de fomento à pesquisa. Gorgulho alerta para a necessidade de uma comunicação mais eficaz entre o meio acadêmico e a sociedade externa para evitar uma nova possível onda de “fuga de cérebros” caso a situação não seja revertida: “Se a sociedade do Brasil tivesse conhecimento sobre como a universidade estimula não só os avanços científicos, mas a pesquisa tecnológica e a inovação, produzindo empregos qualificados e fomentando a economia, ela não aceitaria uma política como a do atual governo que coloca a academia como um inimigo e corta recursos de maneira irresponsável. Se esse processo de desmonte não for revertido no curto prazo, o país perderá mais cérebros para os países desenvolvidos e o fosso que o separa dos mais bem-sucedidos será ampliado” – diz.
Por Bianca Bosso (Labjor/Nudecri – Unicamp)