Um dos desafios que surgem com o crescimento das novas tecnologias da comunicação e informação é encontrar e reter mão de obra qualificada. Por um lado, o aumento do número de empresas que se estabeleceram na Região Metropolitana de Campinas nos últimos tempos elevou a demanda por esses profissionais; por outro, em áreas muito novas, os empregados que já estão no mercado de trabalho há algum tempo não possuem essas competências desenvolvidas, enquanto aqueles que as possuem tendem a aceitar propostas de trabalho no exterior.
Esse é o caso da Venturus Centro de Inovação Tecnológica. O superintendente da empresa, João Carlos Sato, conta que, além da dificuldade em encontrar recursos humanos, eles também perdem muitos de seus colaboradores para instituições estrangeiras, especialmente porque parte de seus clientes têm atuação global e uma prática comum da Venturus é promover o intercâmbio internacional por meio de seus projetos. Como alternativa, a empresa tem promovido parcerias com universidades para a capacitação de pessoal e junto com a Unicamp e a Motorola, desenvolveu um curso de extensão ministrado para seus funcionários. “Em função das novas tecnologias existem necessidades de competências que a gente busca no mercado e não consegue, então a gente precisa formar. E como a gente vai fazer isso se não tem a competência dentro de casa? Isso é um desafio enorme. Organizamos um curso em parceria com a Unicamp que respondia realmente a uma necessidade do mercado. Ele foi tão bem-sucedido que passou a compor a grade permanente de cursos da universidade”, relata Sato, que ainda chama atenção para outro desafio que tem sido posto nos últimos meses, relacionado à necessidade de mudanças na Lei de Informática.
Em janeiro de 2018, a Organização Mundial do Comércio (OMC) determinou que o Brasil não pode conceder incentivos fiscais via tributos porque eles são integralmente cobrados de produtos importados. Devido a isso, o governo deverá editar uma medida provisória com a substituição aos descontos tributários, o que poderá gerar prejuízos a investimentos que fizeram planejamentos de longo prazo com base no cenário anterior. “Tudo que os setores privados têm de competência no país para oferecer ao mercado hoje é oriundo dessa lei e ela não pode acabar assim, de um dia para o outro, tem que ter uma transição planejada. Então esse é um desafio para o nosso país”, lamenta.
Impactos da inovação tecnológica – As iniciativas vindas das universidades também impactam o desenvolvimento socioeconômico de uma região, embora isso não seja tão fácil de mensurar. De acordo com a prefeitura de Campinas, o município conta atualmente com 15 universidades e faculdades, entre elas a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que é responsável por 8% da pesquisa acadêmica realizada no Brasil, além de ser líder nacional em depósitos de patentes e publicação de artigos.
Segundo Newton Frateschi, diretor da Agência de Inovação Inova da Unicamp, medir seu impacto nas áreas de inovação e empreendedorismo é difícil porque na maior parte dos casos, os resultados ocorrem de forma indireta e assíncrona. Ou seja, enquanto os benefícios de uma instituição como o Hospital da Unicamp podem ser vistos imediatamente, por meio do número de pacientes atendidos e tratados, no caso das indústrias, além delas serem criadas fora do campus, seus frutos muitas vezes aparecem apenas quinze ou vinte anos depois.
Ainda assim, algumas métricas permitem visualizar a situação da região, como a presença de empresas-filhas da Unicamp, aquelas criadas por alunos, ex-alunos, docentes e funcionários técnico-administrativos da universidade, bem como as incubadas ou graduadas do seu Parque Tecnológico. Recentemente, a Inova fez um mapeamento desses empreendimentos e constatou que a instituição conta com 815 empresas cadastradas, sendo 717 ativas e que elas têm um crescimento acelerado na ordem de cinquenta por ano, faturamento de R$7.9 bilhões e mais de trinta mil empregos gerados de forma direta. “Se pensar que cada um desses empregos representa, possivelmente, mais quatro ou cinco empregos indiretos, a gente chega a 150 mil pessoas trabalhando, gerando mais serviços e impostos”, avalia o diretor, que ainda lembra que são empresas geradas em áreas tão ecléticas quanto tecnologia da informação, consultoria, engenharias, saúde, bem-estar, educação, alimentos, biotecnologia, telecomunicações, tecnologias verdes e química. “O que é resultado de uma universidade que tem uma gama de pesquisas bastante abrangente”, conclui.
Outra forma de medir o impacto da inovação em uma região é por meio do número de startups, empresas jovens e que têm como uma de suas principais características a escalabilidade, ou seja, a capacidade de crescer de forma mais rápida do que seus custos. Luiz Eduardo Drouet, vice-presidente de ecossistema da Campinas Tech, comunidade que busca fomentar o surgimento de negócios de grande impacto, acredita que são as startups o melhor modelo de negócio de alto impacto justamente por sua capacidade de crescimento acelerado.
Mas por ser um tipo de empresa que muda o tempo todo – ou ela cresce muito rápido ou ela morre – é difícil definir quantas existem em uma região. Por isso, a Campinas Tech está fazendo um levantamento para descobrir quem são e qual é o perfil das startups campineiras. “A gente lançou a primeira versão da plataforma, que é aberta, e espera em breve ter dados cada vez mais claros sobre elas, seus diferentes tipos, outros atores que fazem parte desse ecossistema. E também trabalhar essa agenda muito forte de apoio ao empreendedorismo, para cada vez mais ter um número relevante de startups na região”, afirma Drouet.
O papel do poder público – E como o poder público pode contribuir para alavancar o progresso de uma cidade em inovação tecnológica? Essa pergunta norteou o debate realizado após a apresentação dos painéis, que teve a presença de André Von Zuben, Secretário de desenvolvimento econômico, social e de turismo de Campinas e do deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Sergio Victor, além da moderação de Newton Frateschi.
Para o Secretário Von Zuben, um dos papéis do poder público é o de articular e desenvolver ações específicas, como a criação de leis de incentivo. Como exemplo, ele citou a criação do Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação de Campinas (CMTCI). No âmbito desse Conselho foi criado o Plano Estratégico de Ciência e Tecnologia, que tem validade até 2025 e norteia várias ações do poder público e de outras instituições no sentido de formação e capacitação de recursos humanos, atração de investimentos, melhoria de serviços públicos, fortalecimento de parques tecnológicos, cidades inteligentes, entre outras iniciativas.
As iniciativas tomadas no âmbito do Conselho e do Plano Estratégico representam uma importante ferramenta porque o poder público dificilmente se interessa por manter uma visão de longo prazo. “E quem é o guardião desse plano? O conselho, porque os prefeitos mudam, por isso a gente fez o plano para dez anos. Não é deste governo e nem do próximo, e que o próximo prefeito já tem um norte. Ele já sabe o que aconteceu, por que aconteceu e o que está previsto para continuar. E o conselho acompanha a execução desse plano, não é algo que fica na gaveta”, garante Von Zuben.
Já o deputado Sergio Victor critica a grande burocracia existente no Brasil para se empreender. De acordo com ele, a o sistema de ciência e tecnologia da maior parte das cidades brasileiras conta com quatro atores distintos – sociedade, iniciativa privada, academia e poder público – que tomam decisões muito afastadas entre si. Campinas, alega, é uma das poucas exceções a esse modelo e o que ele observa é que, nas cidades que despontam em ciência e tecnologia, há uma participação bem mais forte dos três primeiros.
Por isso, Sérgio Victor acredita que o papel do poder público deve ser o de coadjuvante nesse processo. “O poder público eu acho que é consequência. O maior desafio é, como a gente pode contribuir mais? Para o poder público ser coadjuvante a gente tem que estar ouvindo bastante as demandas dos empreendedores. Nosso papel é de ouvir as demandas específicas para a gente tirar as barreiras do caminho”, defende.
Uma das formas com que o poder público pode contribuir é a manutenção da qualidade de vida nas cidades. André Von Zuben comenta que profissionais qualificados não aceitam trabalhar em regiões sem um bom sistema público, como transporte e saneamento, o que acaba afastando as empresas desses locais. Assim, manter boas condições de vida na cidade seria um papel estratégico da administração pública. “É papel do setor público prover serviço de boa qualidade para a população. Mas no caso das empresas de tecnologia, se não formos capazes de ter uma cidade que provê esses serviços, não seremos capazes de atrair mais empresas. É uma decisão estratégica se ela quiser ser um ator relevante para as empresas de base tecnológica”, observa.
Por Paula Penedo P. de Carvalho