Berlim: inteligente e digital

Atmosfera moderna, qualidade de vida e administração inteligente fazem da capital alemã um dos grandes centros da transformação digital mundial. Por Mariana Castro Alves

Portão de Brandemburgo, um dos pontos turísticos símbolos de Berlim. Crédito: Pixabay

Ao final dos 1980, fechamento de fábricas, fim de subsídios e perda de competitividade em um mundo em franca globalização e forte concorrência inspirava enormes esforços a quem morasse em Berlim. Entretanto, a redefinição e o reposicionamento alemão frente aos desafios fizeram, após a queda do muro, a cidade se transformar em uma referência mundial em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Com vultosos investimentos públicos e privados, seu parque industrial foi modernizado, indústrias estratégicas foram desenvolvidas e as exportações de bens de capital foram incrementadas. Hoje, com uma infraestrutura institucional complexa e altamente articulada, Berlim, em pleno processo de transformação digital, é um ponto importantíssimo de encontro de atores do mundo dos negócios, da ciência e da pesquisa. O espaço urbano de Berlim materializa inovação, liderança industrial e internacionalização com qualidade de vida.

Com todas as condições favoráveis de uma economia forte, o diferencial da cidade é que sua administração inteligente cria uma infraestrutura e modos de vida também inteligentes. Com redução do uso de recursos finitos e segurança e proteção dos dados, lá tudo é inteligente: desde a habitação até a economia, a mobilidade, a saúde e a segurança pública. Uma gestão sinérgica, que integra e articula sistemas, interliga diversas fontes de informação e permite um aumento significativo da eficiência e da conservação de recursos.

Nesse contexto, a criação e a instalação de infraestruturas de PD&I, com investimento público, permitiram desenvolvimento continuado das potencialidades dessa sociedade urbanizada. Um estruturado, persistente e ampliado esforço de política industrial nacional, associado a pesados aportes em PD&I, continua a manter e a expandir sua liderança tecnológica global.

Startups – A Alemanha tem o segundo melhor ecossistema de startups da Europa (o primeiro está em Londres) e o sétimo do mundo, segundo o Startup Ecosystem Report de 2017. De cada dez startups alemãs, seis são fundadas em Berlim. Qualquer startup instalada na capital conta com substancial apoio ao investimento. É o setor que consegue captar recursos com maior facilidade. O papel de maior financiador cabe ao KFW, banco de desenvolvimento estatal alemão, que chega a bancar 80% do risco de empréstimo. Há ainda a possibilidade de investimento pelo banco público de Berlim, o Investitionsbank Berlin (IBB). Embora vibrante, a internacionalização das startups alemãs é ainda muito baixa: 78,7% geram receitas apenas para o mercado interno. Por isso, outro ponto de apoio para essas empresas é a agência de promoção econômica do governo alemão GTAI – Germany Trade & Invest que estabelece um primeiro contato de orientações para quem quer exportar.

O Exist Program é um programa de financiamento governamental, cofinanciado pelo Fundo Social Europeu (FSE), que facilita a criação de startups desde a ideia inicial, em conceitos de negócios criativos, até a busca por financiamento adequado. Apoia ainda estudantes universitários e cientistas na concepção de suas startups.

Uma excelente alternativa é a agência Berlin Partner for Business and Technology (BP). Uma parceria público-privada, essa agência tem uma gama de programas para ajudar empresas a inovar e garantir seu futuro econômico na cidade. Encontra local, busca parceiros comerciais e viabiliza, inclusive, a contratação de pessoal de fora da União Europeia.

Conexões – Além dessas fontes de financiamento – são 600 fundos de investimento instalados no país devido às oportunidades da economia digital – comunidades de startups realizam diversos eventos que promovem a aproximação de investidores e empresas.

A maior comunidade de startups de Berlim é a Factory. Ela é um centro de inovação que agrega startups, times corporativos e incubadoras, estimulando a o contato inclusive com grandes empresas como Deutsche Bank, Audi, Siemens, Soundcloud e Google, entre outros.

Foi em Berlim que surgiu o primeiro coworking da Europa. O Betahaus, criado em 2009, abriga café, salas de reuniões e espaço para eventos. Em nove anos, passou de 20 e hoje já tem 600 associados.

Há ainda o Hub Berlin, um dos doze hubs digitais da Alemanha. O Hub Berlin, promove a convivência entre as startups, as pequenas e médias empresas, os acadêmicos e grandes corporações com o objetivo de incentivar o desenvolvimento da indústria 4.0 e de novas soluções tecnológicas para cidades inteligentes, por exemplo, na segurança cibernética.

Segurança de dados – O apoio a PD&I por parte dos governos da União Europeia, Alemanha e Berlim se materializa efetivamente no financiamento e construção de uma infraestrutura digital em que a circulação de dados é livre e segura, a formação de talentos é incentivada e a legislação é adequada para a segurança cibernética.

Cidade inteligente – A existência de um conselho municipal que define as diretrizes políticas das prioridades integra o conceito da “Smart City Berlin”, inclusive com parcerias cooperativas com outros centros urbanos. Há uma estrutura que possibilita o contato de atores do mundo dos negócios, institutos de ciência e pesquisa, redes relevantes, startups e instituições financeiras assim como outros parceiros estratégicos: empresas estatais, comerciais e câmaras industriais, sociedades, sindicatos e associações. Em 2015, por exemplo, em Berlim, foram traçadas estratégias para o desenvolvimento urbano com metas até 2030 e soluções ecológicas, sociais, econômicas e culturais.

Diversa e digital – Multicultural, Berlim atrai jovens de mais de uma centena de nacionalidades, sendo palco de inovação e empreendedorismo. O amplo espectro de indústrias criativas, de turismo de negócios e de lazer que gira em torno de atividades financeiras compõe o leque do setor de serviços da cidade. A arquitetura moderna de uma cidade repleta de jovens profissionais talentosos cria a atmosfera criativa nos setores da moda, do marketing, do design, da música, da informática, de mídia, de jogos etc. O poder inovador das startups e da capacidade de inovação das pequenas e médias (PME) é resultado de capacitação técnica das empresas e de acesso ao crédito, dentro de um sistema educacional que privilegia a vocação de cada um.

Estratégia de transformação digital – Desde 2006, com a formulação de uma estratégia para todos os principais componentes de P&D na Alemanha, nomeada “High-Tech Strategy”, o governo federal vem estabelecendo uma política de tecnologia digital.

Em 2013 é lançado o “Industrie 4.0”, uma iniciativa que busca assegurar a liderança da Alemanha como principal fornecedor de produtos, logística inteligente e de exportação de bens de capital, a partir do fortalecimento de sua inserção internacional por meio da aplicação e desenvolvimento de novas tecnologias digitais.  A criação de padrões e arquitetura de referência, a regulação e proteção de dados e o esforço para abertura de novos mercados com auxílio de agências de exportação são focos de ação. A estratégia é dual. Por um lado, o desenvolvimento dessas tecnologias, aplicadas nos processos de produção, possibilita que os sistemas ciberfísicos sejam usados pelos fabricantes de produtos para dar mais eficiência à produção doméstica, garantindo sua competitividade. Por outro lado, as empresas ganham também no resultado, com a exportação de tecnologias e venda de seus produtos.

Em 2014, a “Agenda Digital da Alemanha 2014-2017” é lançada reagrupando os atores econômicos na utilização de recursos de maneira eficiente e alçando o Estado como grande comprador de TI.  A transformação digital (TD) da economia e da sociedade alemãs é aprofundada com a “Estratégia Digital da Alemanha 2025”, proposta em 2016.

Em 2017, o Ministério Federal do Transporte e da Infraestrutura digital (BMVI – Bundesministerium für Verkehr und digitale Infrastruktur) junto com um fórum de discussão dos atores envolvidos, estabelece uma “Iniciativa Gigabit” cuja meta é a instalação de conexões de fibra ótica em todo o país. A ideia é incentivar a implantação de redes de fibra ótica rápidas que possibilitam conexões de 1 gigabit por segundo, algo vinte vezes mais veloz que uma conexão de banda larga convencional. Nesse mesmo ano, a “Estratégia 5G” promove a liderança alemã na quinta geração de sistemas sem fio.

Em 2018, por meio de um acordo de coalizão, o governo se compromete a fomentar e participar ativamente da TD na Alemanha, com um fundo de investimento de 10 a 12 bilhões de euros a ser gasto até 2021. O acesso à internet rápida é estabelecido como um direito legal, a partir de 1 de janeiro de 2025. Em novembro de 2018, a Alemanha incentiva a inteligência artificial (IA) com a previsão de um aporte de 3 bilhões de euros em um período de cinco anos.

Fonte: Mapeamento de Experiências Internacionais: União Europeia-Berlim-Madri-Barcelona-Lisboa-Porto, estudo financiando pelo BID e coordenado por Maria Luisa Campos Machado Leal.

Por Mariana Castro Alves