De um pequeno vilarejo rural, à beira do rio Nakdong na Coreia do Sul, Gumi se transformou rapidamente em uma grande cidade na década de 1960, graças a vultosos investimentos governamentais. Esse processo de modernização não parou aí e, com seu posicionamento estratégico de acesso à infraestrutura de transporte, hoje a cidade é um dos mais importantes centros de alta tecnologia e P&D do país. Tendo uma população jovem, com média de 33 anos, é um caso exemplar do modelo adotado na Coreia do Sul para o desenvolvimento orientado pela transformação digital. Ao longo de sua extensão, é considerada o Vale do Silício da república coreana, país de empresas líderes mundiais em eletrônica e TIC, como Samsung, LG, SK e KT.
Com um cluster de mais 350 empresas de telecomunicação móvel (mobile companies) integradas à Samsung Electronics, Gumi representa o modelo de interação entre grandes empresas coreanas e as pequenas e médias (PMEs), como produto de políticas governamentais. Nessa orientação, as Ubiquitous Cities (U-Cities) são modelo de mercado para as empresas de TIC/eletrônica.
U-City – O projeto de construção de U-Cities sul-coreanas faz parte de uma política industrial voltada ao digital. Uma U-City é uma cidade que provê serviços em qualquer lugar e em qualquer tempo visando a sua competividade e qualidade de vida. “Ubíqua”, que significa “onipresente”, tem o sentido de um centro urbano onde estão disponíveis serviços que proveem informações, separadamente ou de forma integrada, sobre as principais funções da urbe, como administração, mobilidade, bem-estar, meio ambiente, segurança, prevenção e gerenciamento de desastres.
Gumi está entre essas cidades em que a vida cotidiana baseada na ubiquidade está se tornando uma cultura. Dentro do conceito de U-City, a rede de bem-estar social, a qualidade de vida, a natureza integrada ao homem e à máquina, a mobilidade que dá suporte a negócios internacionais e a administração inteligente e aberta dos serviços públicos estão em expansão.
Cluster – A partir da crise asiática de 1997 e 1998, quando fuga de capitais gera graves impactos na produção em países como Coreia do Sul, Malásia e Indonésia, o governo sul-coreano reestrutura seu modelo econômico, possibilitando rápida recuperação. Os chaebols, grandes grupos empresariais organizados em conglomerados que tinham propiciado uma industrialização sem recursos externos a partir dos 1960, passam a desempenhar um papel diferente a partir da crise do fim dos 1990. Com alto grau de concentração, os chaebols sofrem o impacto da crise asiática. A política industrial passa a ser de apoio às PMEs, antes negligenciadas, como fornecedoras dos chaebols. A condição para as PMEs entrarem no jogo: ter elevado padrão de PD&I. Assim, a promoção de inovações tecnológicas passa a se dar com parcerias entre as grandes e as PMEs com assistência tecnológica, transferência de tecnologia e recursos humanos. As atividades de P&D são incentivadas, com incentivos fiscais e recursos, e promoção de venture businesses.
Venture business – Com o objetivo de contribuir para reestruturação industrial e promover a competitividade, o governo incentiva a conversão de PMEs existentes em venture businesses. Ao se tornar uma, a PME tem garantia de crédito, inclusive com acesso a fundos de oferta eficiente de capital e, em casos especiais, a financiamento por grandes empresas. Para se constituir como uma venture business, a PME tem que cumprir rigorosas exigências. Entre elas, desenvolver seus negócios principalmente pelo uso; produzir direitos de patente, de modelo de utilidade ou de design e, por fim, desenvolver negócios que interessem à política industrial do governo, pautada pela demanda. Ou seja, a empresa deve se voltar principalmente ao uso de resultados de projetos fundamentais de tecnologia industrial ou de novas tecnologias e conhecimentos pré-definidos por decreto presidencial.
Demanda – O “lado da demanda” orienta toda a política industrial sul-coreana, por exemplo, nas TICs. No que se refere à seleção dos temas de pesquisas, ao suporte à comercialização de novas tecnologias ao fomento e à formação de recursos humanos especializados, os incentivos são a projetos de desenvolvimento tecnológico com foco em tecnologias-chaves.
Uma das tecnologias-chave é a robótica. Com o objetivo de desenvolver e difundir robôs inteligentes, ou seja, dispositivos mecânicos que percebem o ambiente externo por si mesmos, discernem as circunstâncias e se movem voluntariamente, há suporte financeiro, estruturação de empresas especializadas e garantias de riscos. As chamadas “robotlands” são áreas nas quais instalações para a utilização de vários tipos de robôs inteligentes são estruturadas visando o desenvolvimento e a difusão de robôs inteligentes.
Certificações – O marco legal de padronização e segurança é também parte estruturante da política de inovação sul-coreana. Produtos de qualidade, desempenho e que gerem um efeito de empuxe na economia e no desenvolvimento tecnológico são reconhecidos pelo governo, por meio de autenticação. Certificados atestam que determinados produtos são inovadores. Com esses certificados, há a garantia de poder participar de licitações públicas, por exemplo.
Informática – Um marco legal para a informatização em escala nacional é produzido por atos do governo na constituição de uma sociedade na qual o conhecimento e a informação criam valor na administração pública, na indústria e nas atividades culturais. Assim, ações são colocadas em prática na administração – com informatização e eficiência na prestação de serviços públicos – e inclusão digital, garantindo acesso universal, inclusive o suporte à informatização de empresas privadas.
Educação – O currículo nacional promove o talento criativo. A educação, voltada à prática, prevê, por exemplo, a aprendizagem compulsória de software para alunos do ensino fundamental e médio. Programas de livros digitais para incentivar a leitura em inglês têm sido implementados, assim como o apoio à educação empreendedora. A internacionalização das universidades sul-coreanas, com atração de cérebros do exterior e de expansão de seu próprio ensino em escala global também é parte dos objetivos dessa política que tem sido a resposta do país aos desafios econômicos globais.
Fonte: Mapeamento de Experiências Internacionais: União Europeia-Berlim-Madri-Barcelona-Lisboa-Porto, estudo financiando pelo BID e coordenado por Maria Luisa Campos Machado Leal.
Por Mariana Castro Alves