Artigo de Marcio Luis Ferreira Nascimento, Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA.
Algumas inovações são tão engenhosas e tão simples que não notamos sua relevância no dia a dia. Tome-se por exemplo um mero clipe de papel – tão útil e ao mesmo tempo insignificante, guarda uma curiosa história.
Um clipe de papel consiste num mero pedaço de arame retorcido de aproximadamente 10 cm com três dobras. Bastante útil, barato e pequeno, não requer manual de instruções para prender folhas de papel. Historicamente, os primeiros clipes eram na verdade simples alfinetes, ou mesmo agulhas. Foram encontrados objetos arqueológicos de mais de 60 mil anos. Sabe-se também que desde os antigos egípcios há evidências do uso de tais aparatos para se prender folhas de papiros, feitos inicialmente de madeira ou mesmo ossos (como o marfim). Os romanos tornaram tal prática mais comum.
Ao manusear um clipe, pode-se perceber que com uma pequena manipulação dos dedos suas alças podem ser deslocadas. Tais pequenas forças, ao pressionar por exemplo sua parte mais interna, flexionam o dispositivo, separando suas alças, e que retorna rapidamente a posição inicial após extintas tais forças. Em geral não notamos a rapidez e o complexo sistema de coordenação motora efetuado na ponta dos dedos. Eventualmente, ao se exercer forças em demasia, tais clipes se deformam permanentemente, perdendo assim sua elasticidade.
De fato, todo clipe é na verdade uma mola muito sutil. A característica elástica dos materiais foi descrita pelo filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) numa coletânea de problemas mecânicos ainda no século IV a.C.: “por que longas ripas de madeira são mais fracas e por que se curvam com mais facilidade quando são erguidas?” De fato, qualquer coisa fina pode ser facilmente curvada; e quanto mais comprida, mas fácil de vergar. Se não quebrar nem sofrer deformação permanente, deve recuperar sua forma original.
Já o princípio que rege todas as molas foi descrito por um dos gênios da ciência, o polímata inglês Robert Hooke (1635 – 1703), por volta de 1660. Preocupado em proteger sua descoberta, apenas publicou muitos anos depois,[1] escondendo-a em forma criptografada em ordem alfabética, num anagrama:ceiiinosssttuv. Rearranjando as letras, em latim, forma-se a frase “ut tensio sic vis”, que traduzido significa: “a deformação é proporcional à força”.
Hooke descobriu que, até certo ponto, todo material se alonga proporcionalmente a força que lhe é aplicada. Em termos simples, quanto mais se estica uma coisa, mais resistência ela oferecerá para ser esticada. De fato, ao se esticar um elástico (ou mesmo uma mola) com duas vezes mais força, ela se esticará duas vezes mais.
Voltando à origem dos clipes, alfinetes e agulhas metálicos somente passaram a ser elaborados em grande quantidade na forma metálica muito recentemente – primeiro de modo lento e artesanal, e depois utilizando-se de máquinas ditas trefiladoras, em que uma barra metálica era continuamente afinada quando puxada através de orifícios cada vez menores. Credita-se ao médico e inventor americano, John Ireland Howe (1793 – 1876), a invenção de tais máquinas mecânicas (US 7123X, em 1832; e US 2,013, em 1841). Fundou a Howe Manufacturing Company, em 1833, na cidade de Nova York, e seis anos depois conseguia produzir 72 mil alfinetes num dia, empregando dezenas de funcionários.[2]
Clipes também podem ser produzidos manualmente, assim como agulhas e alfinetes o foram durante muito tempo. De fato, alfinetes apresentam algumas inconveniências para prender papéis: i) deixam orifícios nos documentos; ii) sua ponta pode machucar os dedos; iii) dificuldade de furar muitos papeis; iv) podem rasgar; v) enrugam os documentos. De modo diverso, clipes unem papéis facilmente, sendo facilmente colocados e retirados, e evitam todas estas inconveniências.
Mas nem sempre foi assim: os clipes pioneiros não eram tão fáceis de utilizar, desprendendo-se facilmente, ou ainda enroscando os documentos. Um bom número de patentes surgiu na virada do século XX. Credita-se a Samuel B. Fay (c. 1835 – c. 1914) a primeira patente de um prendedor de papeis (Ticket Fastener, US 64,088, em 1867). Dez anos depois, Erlman J. Wright (? – 1888) obteve uma segunda patente (Improvement in Paper-Clips, US 193,389, de 1877). No entanto, o modelo mais bem-sucedido nunca foi patenteado, e mantem-se o mesmo desde aproximadamente 1892 como padrão: chama-se clipe Gem, nome de uma fábrica inglesa (Gem Manufacturing Company Ltd.) que provavelmente vendia diversos prendedores de papel desde 1881.
O inventor americano William David Middlebrook (1846 – 1914) propôs a primeira máquina de fabricação de clipes, estes similares ao Gem (Machine for Making Wire Paper Clips, US 636,272, em 1899). No entanto, também se credita ao inventor e examinador de patentes norueguês, Johan Vaaler (1866 – 1910), tal primazia em 1901, a partir das patentes DE 121,067 e US 675,761, mas especialistas em inovação como Henry Petroski (n. 1942), engenheiro americano, contestam tal afirmação.
Embora alguns possam acreditar não ser possível criar nada novo em termos de clipes, a engenhosidade humana apresenta contra-exemplos históricos interessantes. Em 1934 foi patenteado o chamado clipe gótico (US 1,985,866) por Henry George Lankenau (1901- 1985), devido as suas formas angulosas em “V” na direção de seu comprimento, inovação muito comum de ser obtida em lojas ainda hoje.
Outras adaptações e modificações foram propostas em mais de um século de existência deste inovador produto, como uso de arames mais finos, mais longos, diferentes acabamentos, mais leves, mais fortes, clipes de plástico, entre outras. Tais invenções apresentaram novas funcionalidades, como ser útil em ambos os lados, prender documentos volumosos, e evitar aumentar a altura de pilhas de papel clipadas.
Podemos citar como exemplos mais recentes as patentes: US 4,949,435 (“Paper Clip”, de 1990), do médico e inventor americano Gary Karlin Michelson (n. 1949); US 5,063,640 (“Endless Filament Paper Clip”, em 1991) do engenheiro mecânico americano Charles T. Link (1911 – 1998); US2013/0007989 (“Paper Clip with Sheet Gripping Ends”, em 2013), do inventor americano Frank David Werner (1922 – 2016); US 8,925,157 (“Front to Back Reversible Multiple Planar Paper Clip with Double Clipping Effect”, em 2015) do inventor americano Tod Michael O’Daniel (n. 1970); e US 2015/0176618 (“Fastener Device”, em 2015), do inventor americano Mattson Thomas Thieme (n. 1991). Todas estas inovações servem de exemplo de como uma boa ideia pode prender nossa atenção…