Desafios para a agenda de transformação digital em Campinas

A cidade de Campinas tem potencial para se tornar um dos centros mundiais da economia digital. Por Rosane Marques, Vanderleia Radaelli e Patricia Mariuzzo

Iniciativas na cidade de Campinas buscam aproveitar oportunidades para transformação digital. Crédito: Carlos Bassan

As características socioeconômicas da cidade de Campinas tornam o seu ambiente propício para se tornar um dos centros mundiais da economia digital. Cabe informar que, em 2010, a taxa de alfabetização da população de Campinas com idade acima de 10 anos era de aproximadamente 97% (IBGE, Censo 2010), colocando a cidade entre aquelas com melhor índice de alfabetização do Brasil. A cidade (juntamente com Recife, PE) conta com a melhor conexão de Wi-Fi público do Brasil, de acordo com o aplicativo Instabridge (TudoCelular, 2018). A rede de ensino e pesquisa (ICTs) conta com universidades que estão entre as melhores do Brasil e da América Latina, como a Unicamp e a PUC Campinas. O Instituto Eldorado e o CPqD destacam-se pelas pesquisas e desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação. Outros atores importantes são as redes de colaboração entre empresas, como aquelas da Bosch e dos co-workings e aceleradoras (WeMe, Venture Hub e outras), e o governo municipal, estadual e federal.

Empresas de grande, médio e pequeno porte e as startups colaboram formal e ou informalmente com as ICTs, o que dinamiza o ecossistema de inovação. Além disso, aceleradoras de empresas e ambientes para apoio à startups potencializam o ecossistema empreendedor da cidade por meio de várias redes e conexões com o sistema financeiro e de suporte técnico. Estes atores, ao interagirem com o governo municipal no esforço de desenvolvimento desse ecossistema, tem contribuído para a transformação da cidade de Campinas em um dos principais centros de inovação do Brasil e da América Latina.

Entretanto, ainda há desafios a serem enfrentados para que o ecossistema local consolide uma dinâmica de inovação e empreendedorismo que possa ser reconhecida internacionalmente. Dentre eles, destaca-se a implantação de uma estratégia de longo prazo, ampliação de investimentos na formação de talentos e a criação de políticas públicas que fortaleçam a colaboração entre os atores locais, nacionais e internacionais para a promoção do desenvolvimento socioeconômico e ambiental sustentável no novo cenário que a transformação digital pode originar.

É nesse contexto que a Prefeitura Municipal de Campinas envida esforços na elaboração, implantação e acompanhamento de uma estratégia para transformação digital própria de curto, médio e longo prazos. Dentre eles, destaca-se o Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia e Inovação (CMCTI), o PECTI (Planejamento Estratégico de Ciência, Tecnologia e Inovação de Campinas 2015-2015) e o PECCI (Plano Estratégico Cidade Inteligente). Há que se destacar ainda a parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Núcleo Softex Campinas para a proposição de uma Estratégia para a Transformação Digital e Internacionalização do Setor Produtivo de Campinas, que tem por objetivo colocar em prática ações de curto, médio e longo prazos para a acelerar o desenvolvimento, uso e difusão de tecnologias digitais no município. A partir dessas ações espera-se obter ganhos de produtividade, gerar inovação, o surgimento de novos modelos de negócios e de startups digitais e o desenvolvimento de talentos.

Todas essas iniciativas têm em comum a tentativa de criar um ambiente favorável na cidade de Campinas para o aproveitamento das oportunidades associadas às tecnologias digitais e sua conversão em benefícios para a sociedade.

E o Brasil? – Vários desafios e oportunidades surgem quando o tema é transformação digital no Brasil. Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 2017), “69,3% dos 69.318 mil domicílios particulares permanentes do País”, localizados na área urbana, possuíam acesso à Internet em 2016. Entretanto, esse percentual cai para no máximo 40% na área rural, ficando abaixo de 30% nas regiões Norte e Nordeste. O meio utilizado para acessar a Internet em aproximadamente 97% dos domicílios, tanto aqueles localizados na área rural quanto na urbana, foi o telefone celular, seguido do microcomputador, no mesmo ano. A PNAD Contínua mostra que, do total de amostra de “179.424 mil pessoas de 10 anos ou mais, 64,7% utilizaram a Internet, no período de referência dos últimos três meses” (PNAD, 2017, p. 27). Destaca-se que, deste total, em média 75% das pessoas ocupadas utilizaram a Internet por motivo de trabalho. Diante desses dados, um dos desafios para redução das desigualdades regionais no acesso à Internet é a ampliação da infraestrutura digital para as regiões mais pobres e ou mais distantes das grandes metrópoles e capitais.

Outro desafio é superar a limitação na capacidade institucional do país para promover uma articulação entre governo, indústria, organizações sociais e comunidades capaz de gerar uma transformação digital no imenso território nacional, com características socioeconômicas, ambientais e geopolíticas tão distintas. Nesse tema, o fortalecimento dos ecossistemas locais, em articulação com o nacional, para apoiar a dinâmica da inovação empresarial, social e governamental, poderia melhorar a competitividade internacional e reduzir a pobreza no curto, médio e longo prazos. A estabilização das políticas públicas é outro desafio chave para o fortalecimento da institucionalidade que a transformação digital exige se considerada a ampliação da participação nacional no mercado global da economia digital e, ao mesmo tempo, a manutenção de investimentos de longo prazo, avaliação e redirecionamento, quando necessário, de metas e ações públicas, assim como, melhoria nos serviços essenciais ofertados à população, redução da violência e da desigualdade social e responsabilidade socioambiental.

Algumas iniciativas nacionais em andamento que buscam tratar dos desafios e oportunidades são a Estratégia brasileira para a transformação digital (E-Digital) e o Decreto 9.319/2018 para regulamentar a criação do Sistema Nacional para a Transformação Digital e a estrutura de governança para a implantação da E-Digital. No âmbito privado, a plataforma CNI Digital, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), busca divulgar tecnologias, conceitos e ferramentas e o Sistema SENAI oferece serviços tecnológicos para a indústria, como, por exemplo, formação de recursos humanos e desenvolvimento e testes de tecnologias para apoio à indústria 4.0.

O uso de tecnologias digitais permite reduzir distâncias acelerar a dinâmica da inovação. Crédito: Pixabay

Por que a transformação digital é importante? – Como Joseph Schumpeter já alertava no final do século XIX, os empreendedores aceleram a dinâmica da inovação, ultrapassam barreiras culturais e as fronteiras nacionais na busca por novos mercados. O uso de tecnologias digitais permite reduzir ainda mais as distâncias (comunicação online), acelerar a dinâmica da inovação (crowdsourcing), acessar rapidamente comportamentos e culturas (big data; analytics) e consolidar a transformação das fronteiras geográficas para as digitais (comunidade online). De acordo com GADA (Forbes, 2016), em 2016, a população online mundial era de 3.2 bilhões, os usuários de mídias sociais somavam dois bilhões de pessoas, 53% utilizava telefone móvel (celular) para acessar a internet e os investimentos em propaganda/mídia digital atingiu US$170 bilhões. Neste cenário, a economia digital valia quase US$3 trilhões em 2016. Nove empresas geraram em torno de 90% das receitas e dos lucros “digitais”: Apple, Google, Facebook e Amazon (popularmente chamadas de quatro cavalos de corrida), Microsoft e outras quatro empresas chinesas (Forbes, 2016). Há cerca de 25 anos essas empresas, que são atualmente gigantes da tecnologia e têm a maior participação no mercado e os maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do mundo, eram startups (PWC, 2016).

As tecnologias digitais, quando conectam informações do mundo real com grandes bases de dados (big data, analytics), funcionam como ferramentas chave para tornar a competição pelos mercados nacionais cada vez mais veloz, dinâmica e mordaz. Empresas centenárias são deslocadas de seus mercados por empresas novas muito mais rapidamente do que no passado. De acordo com relatório da Deloitte, Singularity University & Compete (Deloitte, 2018) algumas perguntas que os executivos de empresas fazem são: como se pode solucionar os desafios atuais e futuros que essas tecnologias impõem em um ambiente de grandes incertezas? De que forma as tecnologias digitais emergentes podem contribuir para a criação e apropriação de novas formas de valor pelas empresas e pelas pessoas para se construir um futuro melhor?

O desenvolvimento, uso e difusão de tecnologias digitais, exponenciais ou avançadas podem acelerar o crescimento econômico assim como aumentar a distância entre os mais pobres e os mais ricos, principalmente, entre as regiões industrializadas, de industrialização recente e aquelas em fase de industrialização.